FSP
ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ CONTABILIDADE PARALELA
Empresa revela nome de funcionária do partido que pagou dívida com R$ 1 mi em dinheiro
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CURITIBA
DA REPORTAGEM LOCAL
O vice-presidente da República, José Alencar, tratou de isentar ontem a Coteminas -empresa que fundou e da qual está afastado desde 2002- de qualquer ato ilegal ao receber um pagamento de R$ 1 milhão, em dinheiro, feito pelo PT, em maio deste ano. Ele disse que é o PT quem deve dar explicações sobre a origem do dinheiro -ontem, o partido não esclareceu nada.
Alencar contou ter recebido do presidente do PT, Ricardo Berzoini, a informação de que uma nota do partido confirmaria o pagamento -referente ao fornecimento de camisetas na campanha de 2004- e a ausência de registro contábil no partido.
"Ele [Berzoini] disse assim: "Alencar, nós estamos muito tristes com isso. Isso aconteceu ainda naquele período em que tudo aquilo aconteceu com o partido, razão pela qual nós estamos aqui na presidência colocando as coisas em ordem"."
Mas a nota do PT, divulgada ontem à tarde e assinada pelo próprio Berzoini, se limitou a afirmar que o "suposto pagamento" não consta da contabilidade e que a funcionária Solange Oliveira não tem conhecimento do caso.
Em um primeiro momento, o presidente da Coteminas, Josué Gomes da Silva -filho de Alencar-, afirmou que os recursos haviam sido entregues por "uma senhora"- o que despertou suspeitas da participação de Solange, assessora do então tesoureiro do PT, Delúbio Soares.
A Coteminas, porém, informou ontem que a portadora do dinheiro foi Marice Corrêa de Lima. Segundo o atual tesoureiro do PT, Paulo Ferreira, ela é funcionária da Secretaria de Finanças do partido. Ele disse que vai procurá-la hoje em busca de esclarecimentos, mas adiantou que, mesmo que se confirme a participação dela, a responsabilidade será de Delúbio.
Questionado sobre o motivo de o PT ainda não ter reconhecido o pagamento, mesmo com as declarações de Alencar e o envolvimento de uma funcionária do partido, Paulo Ferreira citou apenas razões contábeis. "Se [o dinheiro] não saiu do meu caixa, não tenho como assumir que foi pago", afirmou.
Para a CPI dos Correios, o episódio é uma nova evidência do esquema de caixa dois do PT. Mas o operador confesso do caixa dois petista, Marcos Valério Fernandes de Souza, disse ontem que não tem conhecimento "desse repasse". Ele reafirmou, por intermédio de sua assessoria, que a última operação que fez a pedido do PT foi em outubro de 2004. Portanto antes do pagamento de R$ 1 milhão para a Coteminas.
Defeito
Alencar falou sobre o pagamento em uma entrevista em Curitiba, antes de dar palestra a empresários na Fiep (Federação das Indústrias do Estado do Paraná). O vice-presidente se declarou ""absolutamente aberto" para a investigação sobre o episódio.
"[A Coteminas] É uma empresa que está completando 30 anos de vida e não tem um alfinete [contabilizado] por fora. Não tem caixa dois, venda sem nota, nem compra sem nota, nem nada disso. Talvez seja esse o defeito [da empresa]. Se tivesse [caixa dois], não estava passando por isso."
Na entrevista, Alencar leu a nota da Coteminas na qual é citado o nome da funcionária do PT que fez o pagamento: "[...] o PT, no dia 17/5/2005, através de sua coordenadora administrativa, Marice Corrêa de Lima, pagou R$ 1.000.000,00, que foi imediatamente depositado [...] no banco Bradesco".
A existência do depósito para a Coteminas foi revelada por reportagem da Folha no último domingo. A operação, feita em 17 de maio, foi relatada em agosto pelo Bradesco ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), órgão vinculado ao Ministério da Fazenda.
O dinheiro corresponde a parte da dívida de cerca de R$ 12 milhões que o PT tem com a Coteminas pelo fornecimento de 2,75 milhões de camisetas para as campanhas municipais de candidatos petistas no ano passado.
"Não foi o primeiro. Outros fornecimentos foram feitos ao PT antes. Não só para o PT como para outros partidos políticos", disse Alencar.
Ontem o vice-presidente tratou com naturalidade o fato de o depósito ter sido feito em espécie. ""Como, normalmente, os partidos políticos recebem de doadores ou coisa que o valha, e nós não temos nada com isso, recebemos em dinheiro e depositamos. Não existe nada na legislação brasileira que impeça o cidadão de vender uma mercadoria e receber na moeda do país."
Alencar disse que não se sente "vítima" na operação. "Eu digo que nós não somos vítima do caixa dois do PT, não. O caixa dois não afetou em nada o procedimento da companhia", afirmou. "Nós [Coteminas] não temos absolutamente nada com isso."
"Mensalão"
Alencar comentou ainda o tratamento dado pela imprensa ao caso. "A matéria da Folha, de todos os jornais, tem uma manchete que coloca em dúvida: "R$ 1 milhão para a empresa do vice-presidente, José Alencar". Dá a impressão de que aquilo é sacolão. Sacolão que chama isso? Não, "mensalão". "Mensalão" meu. Dá a idéia de que o Alencar também está nessa", afirmou.
"Mas é a vida. Nós estamos exercendo um cargo público. Nossa vida tem que ser transparente. Não podemos nunca incriminar um jornal pelo fato de ele ter dado notícia a respeito de alguma coisa que possa nos atingir. Temos obrigação de esclarecer", disse o vice-presidente.
Entrevista:O Estado inteligente
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