Por entre aplausos cada vez menos calorosos e apupos a cada dia mais estridentes, o presidente Lula trilha o roteiro da reeleição aos tropeços nas trapalhadas que espalha pelo caminho.
A última, no ensaio de crise com a Argentina, com a troca de farpas e os panos quentes para amortecer a irritação dos nossos birrentos irmãos platinos, certamente que era a menos desejada pelo desastrado orador compulsivo. Não deverá ir muito longe, pois não interessa a nenhum dos lados agravar uma relação que coleciona fases idílicas com as histerias de ciumeiras e outras ninharias.
Desta vez, além do gênio irritadiço do presidente argentino, Néstor Kirchner, não temos como negar a nossa contribuição para a crescente irritação dos nossos vizinhos. E a ponta da meada deve ser puxada da bagunça do governo Lula. Não podiam dar certo as carambolas no bilhar diplomático de três ministros do Exterior, com destaque para as ousadas intromissões do virtual presidente em exercício, José Dirceu, oficialmente ministro chefe da Casa Civil da Presidência; as mais cuidadosas bicadas do assessor internacional, Marco Aurélio Garcia e o encolhimento intimidado do titular, chanceler Celso Amorim.
Governo com três ministros do Exterior, não tem nenhum. Para mal dos nossos pecados, o presidente mete o bedelho no angu com a leviandade habitual que o expõe a afirmar uma coisa de manhã e outra à noite, dependendo do auditório e do clima do momento. Antes do almoço, no programa quinzenal de rádio, garantiu que a sua prioridade é fortalecer as relações com os demais países da América do Sul. Horas depois, no clima de festa, em São Paulo, devidamente advertido da cascata de reações trocou de prioridade e afirmou que ''precisamos agora nos dedicar um pouco mais a fazer com que seja fortalecida nossa relação com os EUA no âmbito comercial.''
Nosso loquaz presidente gosta mesmo é de falar muito e de ouvir pouco. O modelo do seu governo é oral e viageiro, na busca de auditórios.
Costuma enganar-se com freqüência. Durante o primeiro ano de mandato resistiu aos conselhos do seu então assessor de imprensa, o competente amigo de muitos anos Ricardo Kotscho, para conceder uma entrevista coletiva. Kotscho sobrou, expelido pelas intrigas da corte palaciana.
Afinal. Lula concedeu a primeira entrevista aos rapazes da imprensa e, pelo que a cupinchada sopra, gostou tanto que cogita repetir a dose em breve prazo.
A saudável reviravolta presidencial merecer ser saudada, com as devidas ressalvas. Vá lá que para primeira vez a estréia teve os seus méritos. Mas, para o bis que assinale a regularidade dos encontros presidenciais com os jornalistas é indispensável a revisão crítica de desacertos. De parte a parte. É absolutamente inaceitável o formato autoritário que proíbe a réplica do repórter quando a resposta à pergunta inicial não for considerada satisfatória. A reincidência da mordaça dissimulada transforma a entrevista no monólogo tão ao gosto do entrevistado. Lula adora o debate em que só ele fala.
Além da óbvia restrição, uma pitada de humildade faria bem aos colegas distinguidos com o privilégio de participar da coletiva com a cobertura nacional de emissoras de rádio, jornais, revistas e TVs. É intrigante, para dizer o mínimo, que a ninguém tenha ocorrido levantar a bola da reforma ministerial tantas vezes adiada, com a avaliação crítica da extravagância do monstrengo de 36 ministros e secretários-ministro.
Nenhuma pergunta sobre o fracasso da política de defesa do meio ambiente, com a devastação recordista da floresta amazônica e a posição constrangedora da frágil ministra Marina Silva, exposta à fritura de derrotas desmoralizantes.
Não podíamos ter deixado passar em branco a redução presidencial dos erros de dois anos e quatro meses de mandato. Apenas três? E a lambança na Saúde, com filas de doentes à porta de postos e de hospitais públicos? E a violência das ocupações, inclusive de prédios públicos pelo MST, que promove a marcha de 10 mil para cobrar do presidente, em Brasília, as promessas de campanha?
Enfim, depois que o presidente da Câmara, deputado Severino Cavalcanti, em debate promovido pela Folha de S. Paulo, qualificou o estupro como ''um acidente horrendo'' e confessou que se casou ''mais ou menos virgem'', nada mais pode causar espanto.
JB
Nenhum comentário:
Postar um comentário