O brasileiro não desiste nunca, informa uma das campanhas publicitárias encomendadas pelo governo. Faz sentido. Morre-se de fome na infância, e ainda assim gerações de crianças traídas não desistem de viver. Um país historicamente impiedoso com seus meninos não poderia ser clemente com a gente idosa. Mas nunca foi tão brutal. No Brasil do Terceiro Milênio, os velhos estão morrendo de fila.
No domingo passado, o repórter Israel Tabak, do Jornal do Brasil, resumiu a dilacerante rotina dos condenados à espera. De pé ou em banquinhos alugados por 50 centavos, esperam horas a fio. Esperam conseguir a senha, esperam chegar a tempo ao guichê, esperam misericórdia de funcionários carrancudos, esperam que a espera acabe de vez. É assim nas filas da Previdência, é assim nas filas da Receita Federal. Espera quem quer receber e quem quer pagar. Poucos protestam. A capacidade de indignar-se é a primeira a morrer na fila.
Perdida a auto-estima, numerosas vítimas tendem a assumir o papel de culpados. Algo devem ter feito para merecer aquilo, suspeitam. A foto abaixo reproduzida, pinçada entre as que ilustram o texto de Tabak, confirma essa espantosa inversão de ótica e de valores. O homem à esquerda oculta o rosto. A mulher a seu lado está quase de costas. Como se tivessem cometido algum erro além do que o destino lhes impôs: nascer no Brasil.
O país tropical escancarou já no Dia do Descobrimento a vocação para o cartorialismo: as caravelas fizeram fila para aproximar-se da praia. Algum burocrata cuidou de organizar a procissão, e os tripulantes da última nave tiveram de esperar. Também a compulsão por documentos e papelórios emergiu com força e agilidade, como comprova a carta de Pero Vaz de Caminha. Nenhum país do mundo providenciou certidão de nascimento. Só o Brasil.
''A Receita precisa de pelo menos mais 2.000 técnicos'', diz Patrícia Coelho, que chefia no Rio a Divisão de Atendimento ao Contribuinte. No governo Lula, a Previdência Social já enfileirou três ministros. Todos prometeram para ontem o extermínio do grande tormento. Ao convocar os muito velhos para provar que estavam vivos, Ricardo Berzoini produziu a maior fila da história. A passagem de Amir Lando foi tão ligeira quanto o expediente da turma dos guichês. Romero Jucá só engrossou a fila dos problemas políticos de Lula. Enquanto isso, os brasileiros esperam.
Neste ano, dois não resistiram. Em março, o pedreiro Severino Elias dos Santos, 65 anos, sofreu um ataque cardíaco depois de 12 horas de duelo contra a incompetência do INSS. Na semana passada, o descaso letal fulminou a vendedora ambulante Neuza Magalhães. Aos 55 anos, tentava obter uma senha para ser atendida no posto de saúde em São Cristóvão. Com fortes dores no peito, chamou uma ambulância. O enfarte chegou primeiro.
Sem tempo para vigiar todos os 200 grupos interministeriais, o Cabôco concentrou-se no que lhe pareceu mais inventivo: o ''comitê de gestão do uso sustentável da sardinha verdadeira''. Desde janeiro, seus integrantes procuram identificar e proteger a Sardinella brasiliensis, única nascida e criada no Brasil. O Cabôco pergunta: e as sardinhas forasteiras? Serão pescadas ou banidas?
Caiado mira na liberdade e acerta o pé
O deputado goiano Ronaldo Caiado não gostou dos parágrafos que lhe foram reservados pelo escritor Fernando Moraes no recém-lançado Na toca dos leões. Foi aos tribunais e encontrou num juiz de Goiânia, Jeová Sardinha, o amigo que pedira a Deus.
Caiado solicitou-lhe a apreensão da obra editada pela Planeta. Coisa de doido. Não para Sardinha, que achou até pouco. Além de ordenar a prisão dos livros, o juiz condenou ao silêncio o escritor e o publicitário que lhe contou a história sobre o Caiado. Cada frase será multada em R$ 5 mil.
Ao mirar na liberdade, o deputado acertou o próprio pé. A Justiça logo engavetará a maluquice. E milhares de leitores vão querer saber o que tanto atormenta Caiado.
Paim fica sem bandeira e sem explicações
Nos tempos de deputado, o agora senador Paulo Paim, do PT gaúcho, desfraldou uma bandeira a que permaneceria agarrado em todas as campanhas eleitorais: o valor do salário mínimo deveria ser sempre equivalente a US$ 100. Neste ano, o governo propôs ao Congresso fixar em R$ 300 o novo mínimo. Pelo câmbio oficial, o dólar ondula na faixa dos R$ 2,50. Feitas as contas, a quantia ambicionada por Paim será amplamente ultrapassada.
Sim, a desvalorização da moeda americana facilitou as coisas. O fato é que, com o mínimo acima de US$ 100, Paim perdeu a grande bandeira e ganhou um problema. Como explicar a milhares de eleitores que, alcançado o sonho, ninguém se livrará da pobreza?
Confusão premiada
No meio do discurso para centenas de publicitários reunidos em Brasília, o ministro Luiz Gushiken conquistou outra taça com um misterioso enunciado:
Do ponto de vista da consciência da sociedade sobre as responsabilidades dos entes federados públicos, há uma brutal confusão. Isso é da cultura do Brasil.
Viagem rumo ao colapso
Nenhum dos presentes havia tratado do tema quando o presidente Lula da Silva, no meio da primeira entrevista coletiva concedida desde a posse, resolveu evocar o aflitivo painel forjado pela malha rodoviária federal. São 57 mil quilômetros em acelerada decomposição. São 57 mil atestados de incompetência. Temidas por brasileiros prudentes, essas estradas letais podem transformar- se no caminho da salvação para adversários de Lula na eleição presidencial.
Nos ensaios para a coletiva, Lula e assessores concluíram que chegara a hora de encarar sem medos um dos mais vistosos estandartes da oposição. Foi apenas um primeiro disparo. Aparentemente acidental, nada teve de espontâneo. O entrevistado ficara espreita do momento adequado para introduzir o tema. hora chegou quando um jornalista o instou a mencionar três erros do governo.
Um deles, lastimou Lula, foi "não ter feito mais pela recuperação das rodovias". Simultaneamente, acusou-se e absolveu-se. "Não ter feito mais" significa que algo foi feito. Mas nada se fez.
Em quase dois anos e meio, nenhuma estrada foi construída, nenhuma foi duplicada. Faltou dinheiro até para reparos miúdos e trabalhos de conservação, espanta-se o governador Geraldo Alckmin.
De olho no Planalto, Alckmin ressalta que estão em São Paulo as dez melhores rodovias do país. Quase todas são administradas por concessionárias, que cuidam de 3.500 quilômetros. Os 18.500 quilômetros restantes são monitorados pelo governo.
A constatação de que São Paulo desenhou o mapa das soluções foi endossada por um estudo, recentemente divulgado por organismos oficiais, que também aponta as dez piores rodovias do Brasil. Nove são federais. Todas ligam regiões estratégicas e deveriam garantir o escoamento da produção agrícola e industrial. Nem sempre garantem.
Depois de admitir o erro, Lula cuidou de apresentar-se como especialista no ramo. "Na campanha de 1998, viajei pelo país inteiro e vi o estado das estradas federais", recordou. "Todas estavam praticamente destruídas."
O presidente deveria deixar o Aerolula descansando no hangar e revisitar alguns caminhos percorridos em 1998. Diante dos estragos decorrentes da inépcia, da incompetência e do abandono, Lula saberá que, mais de seis anos depois, nada sabe.
Se soubesse, não teria permitido que o Ministério dos Transportes fosse o mais atingido por recentes cortes no Orçamento que somaram R$ 15 bilhões. Desse total, R$ 2,3 bilhões foram subtraídos ao Ministério dos Transportes. Dos R$ 6,5 bilhões prometidos no papel, restaram R$ 4,2 bilhões. O dinheiro deveria permitir o ataque a urgências inadiáveis tanto nas estradas como nas ferrovias e hidrovias. É insuficiente até para serviços de tapa-buracos.
Admita-se que só agora Lula se deu conta da extensão do desastre. Nesse caso, deve atropelar a sovinice orçamentária da equipe econômica e devolver ao Ministério dos Transportes as verbas amputadas. Faria ainda melhor se demitisse o ministro Alfredo Nascimento. Para manter o emprego, o ministro nada pede – e nada faz. As rodovias convergem para o colapso, mas o homem segue tranqüilo. Ele vem e vai só de avião.
JB
Entrevista:O Estado inteligente
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