Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, maio 19, 2005

Miriam Leitão:Nona alta

Nona alta

O IPCA, de fato, subiu; e o acumulado em 12 meses está perigosamente alto. Mas Bancos Centrais olham para a frente para tomar suas decisões. Na frente, estão os seguintes motivos que deveriam ter levado à manutenção da taxa de juros: os preços no atacado estão em deflação, o IGP-M e o IGP-10 foram a zero; o dólar está em queda; o petróleo está caindo; a expectativa do consumidor está negativa; a indústria dá sinais de desaceleração; os juros reais, mesmo antes de serem elevados, já eram altos demais, portanto continuariam produzindo efeitos perseguidos pela política monetária.

A economia brasileira está, sim, com indicadores contraditórios confundindo os especialistas. As vendas do comércio bateram recorde, segundo o dado divulgado na semana passada, mas a expectativa do consumidor caiu. A indústria mostra desaceleração, mas aumenta o emprego formal. A inflação ao consumidor aumentou depois de oito altas de taxas de juros.

Por isso, os economistas esperaram ontem divididos a decisão do Copom. Cada lado tinha uma série de bons motivos para sua previsão. De fato, o IPCA está perigosamente alto no acumulado de 12 meses. Mas, também de fato, há grande chance de que a queda forte dos preços por atacado, que levou a zero os últimos IGPs, acabe se refletindo nos IPCs. Ontem a Fipe mostrou uma queda em relação à última quadrissemana.

Também ontem, o petróleo caiu forte, aumentando a chance de que os combustíveis não subam no Brasil; portanto, é menos uma pressão na inflação. Preço de combustível é cotação internacional mais a taxa de câmbio. O preço do produto subiu, mas o câmbio caiu. Mesmo assim, os especialistas no setor consideravam que os preços estavam defasados. Até porque a gasolina não subiu, mas a Petrobras aumentou o preço do querosene de aviação e do óleo combustível. Com a cotação caindo lá fora, há chance de que o produto não fique mais caro.

Um dos maiores candidatos a vilão dos preços este ano é a tarifa de energia. O diretor-geral da Aneel telefonou para responder a um ponto que eu levantei outro dia aqui.

O ponto é o seguinte: o preço da energia fornecida por Itaipu caiu 30% nos dois últimos anos em reais, por causa da queda do câmbio. E, apesar disso, as tarifas têm subido em percentuais muito altos, inclusive acima de 20%.

Segundo Jerson Kelman, não há mistério mas, sim, o preço a pagar por algumas decisões. No apagão, as empresas fecharam contratos de energia muito caros, que estão entrando agora na conta. Em 2003, não houve o aumento no índice estabelecido em contrato, e parte desse ajuste está entrando agora.

— Grosso modo, o que os consumidores pagam na conta de luz pode ser dividido em três parcelas aproximadamente iguais: a geração, a distribuição e os impostos. Dos três, o que mais subiu foi o custo dos impostos. O PIS/Cofins teve um impacto no preço da energia e o ICMS foi elevado por vários governadores, houve o aumento do subsídio para baixa renda — diz o presidente da Aneel.

Além de telefonar, Kelman mandou um e-mail que começa assim:

"Seria desejável que os reajustes tarifários de energia elétrica fossem sempre abaixo da inflação. Todavia os cálculos das tarifas obedecem às regras frias da matemática, dos contratos e das leis."

O que as regras frias dizem é que os preços administrados não são atingidos diretamente pelos juros altos. E, como são estes os principais vilões da inflação brasileira, fica ainda mais difícil entender por que os juros foram para níveis tão altos.

O ponto mais importante é que a política monetária tem um efeito defasado. A elevação de hoje produzirá efeitos que vão afetar a inflação no ano que vem. Portanto, a nona elevação dos juros atingirá a inflação de 2006; ela tem pouca chance de produzir efeito na taxa deste ano. As expectativas para o ano que vem são de convergência para a meta. E quem tem dito isso é o próprio Banco Central, nas suas atas.

Também não deve vir do petróleo o risco que o BC tem visto de uma inflação fora do controle. Ontem, o Brent caiu mais de 2% — fechando em US$ 46,7 — depois que a Agência Internacional de Energia reviu para baixo as projeções de consumo de petróleo para o segundo semestre. Especialistas, a Opep e os bancos estão projetando uma desaceleração da economia da segunda metade do ano que fará toda a diferença no preço do óleo:

— O consumo projetado da China para o segundo semestre também está caindo. Vai haver finalmente uma folga maior entre oferta e demanda — diz Adriano Pires, do CBIE.

A expectativa dele é de que a média do ano fique em US$ 42, US$ 43, ou seja, considerando que o começo do ano foi de petróleo nas alturas, para os analistas, agora ele só tende a baixar, o que ajudaria muito a manter os preços sob controle.

Entender a economia brasileira hoje, com suas contradições, resultados inesperados, não é tarefa trivial. No entanto, o volume de razões para manter os juros estáveis era maior do que para elevá-los pela nona vez. Mas foi exatamente isto que o BC fez: subiu os juros, de novo.

 o globo

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