Se não temos ainda nada parecido com uma crise institucional, que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso advertiu que pode estar se avizinhando, ela já é o tema das discussões, e ontem no Congresso não foi diferente.
Especialmente devido à comparação entre o momento político atual e os tempos de crise de Getulio Vargas, feita pelo senador baiano com a virulência que lhe é característica. A comparação assustou e depois provocou irritação nos melhores gabinetes do Palácio do Planalto, que viu nela um desserviço à democracia.
E a crise política quase se instala de verdade com o descontrole desencadeado pela não aprovação do ex-secretário do governo paulista. Escolhido na Câmara contra a vontade do governo, o jurista não atingiu o quórum mínimo para sua aprovação em uma votação secreta no Senado, episódio considerado pela oposição uma traição da bancada petista, que havia feito um acordo para aprová-lo, desde que a pauta de votações fosse desobstruída.
Além de um desagravo ao presidente Lula pelos ataques que lhe desferiu o senador baiano, culpando-o diretamente pela corrupção nos Correios, a votação teve outras razões políticas. Por trás dessa disputa estaria, no plano imediato, uma resposta do governo ao pedido de CPI sobre o esquema de corrupção que teria sido instalado pelo PTB nos Correios.
Num plano mais profundo, apenas uma disputa paulista, uma afirmação silenciosa do poder político do senador Aloizio Mercadante, ao derrotar o candidato do governador Geraldo Alckmin, potencial candidato tucano à Presidência da República.
Na tentativa de salvar a votação, o senador José Sarney quase provoca outra crise ao propor que a votação simplesmente fosse continuada, para dar chance aos que não haviam votado de reverter a decisão e aprovar o nome do jurista Alexandre de Moraes, o que realmente parece ser a vontade do Senado, atropelada por um fator político inesperado.
Uma quebra do regimento desse nível certamente traria novas acusações de irregularidades contra o Senado, e colocaria sob suspeita a eleição de um membro do Conselho Nacional de Justiça. Seria uma emenda pior que o soneto, e foi rejeitada. A mágoa do PFL no Senado está guardada no peito dos líderes da oposição, que já anunciaram uma obstrução para os próximos dias, até que esfriem a cabeça.
Já o clima da Câmara ficou desanuviado depois do café da manhã que o presidente Lula ofereceu ontem aos líderes dos partidos políticos, tendo a seu lado o ministro Aldo Rebelo, reafirmado na coordenação política.
O fato é que os partidos políticos não estão em condições de surgirem para a opinião pública como criadores de problemas, ou de protetores de seus interesses corporativos, e a paralisia do Congresso, se atinge o governo Lula, atinge mais ainda os próprios parlamentares.
Os sucessivos escândalos surgidos nos últimos dias, envolvendo políticos de todos os níveis só fazem com que a imagem dos políticos se desgaste cada vez mais. A última semana teve uma sucessão de denúncias contra políticos, que culminou com o caso envolvendo o presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson, transformado pela solidariedade do presidente Lula em aliado fundamental do governo.
O ex-governador Anthony Garotinho e sua mulher, a governadora Rosinha, estão envolvidos em denúncias de corrupção eleitoral em Campos que, se não os impedir de se candidatar, certamente causarão estragos políticos a suas campanhas. Diversos prefeitos, ex-prefeitos e políticos de partidos variados em Alagoas foram presos por uma mega operação da Polícia Federal, acusados de um esquema que fraudava a educação no estado há pelo menos dez anos.
Em Rondônia, um escandaloso caso de censura à Rede Globo sobrepôs-se ao escândalo que sua reportagem denunciava: um grupo de deputados achacando didaticamente o governador Ivo Cassol, ele também acusado de irregularidades administrativas e sujeito a perder o mandato. Um conjunto impressionante de situações, que expõe a nossa verdadeira crise institucional, que é a do nosso sistema político, que está a pedir uma reformulação profunda para que a democracia brasileira não se veja ameaçada.
A situação de instabilidade política que se revela atualmente com a paralisia do Congresso e a desagregação da base aliada do governo tornou-se crítica com a eleição de Severino Cavalcanti para a presidência da Câmara.
O homem é tão corporativista que é capaz de, num dia, pedir a demissão do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, porque o Supremo aceitou um processo contra ele, e num outro dia dizer que não há nada que possa desabonar o deputado Roberto Jefferson, citado em uma gravação como o chefe de um esquema de corrupção montado pelo PTB nos Correios e em outros órgãos estatais que lhe couberam na divisão de cargos do governo, ou na divisão do butim, na definição oposicionista.
Se o ex-presidente Fernando Henrique dizia ter uma "maioria desorganizada", é certo que o presidente Lula tem uma "minoria desorganizada".
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O prazo de desincompatibilização da governadora Rosinha Garotinho, caso possa se candidatar na eleição de 2006, é de seis meses, e não de nove meses como escrevi aqui.
o globo
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