Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, maio 04, 2005

Merval Pereira:Democracia ameaçada


A Câmara dos Deputados comemorou ontem à sua maneira o Dia do Parlamento: com uma sessão solene, e a decisão da Mesa Diretora de arquivar o processo contra o presidente do PP, deputado Pedro Corrêa, apanhado em escutas telefônicas feitas com a autorização da Justiça durante investigações sobre sonegação fiscal e adulteração de combustível.

Não por acaso o deputado, cuja fixação em nomear o presidente dos Correios valeu-lhe o apelido de "Pedro Correios", é aliado do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti. A decisão pode indicar que a leniência do Legislativo com seus pares levará à absolvição do deputado André Luiz, também apanhado por uma gravação chantageando o bicheiro Carlinhos Cachoeira e até mesmo confessando assassinatos.

A eleição de Severino, e a sucessão de desmandos que vem comandando com uma visão corporativista do cargo, se agrada a um grande número de deputados, incomoda alguns, que começam a se organizar para resgatar a imagem do Parlamento e sua preservação como instrumento político. Assim como no chamado movimento "republicano" no Senado, apartidário e esboçado por senadores como Cristovam Buarque (PT), Jefferson Perez (PDT) e Marco Maciel ( PFL), já abordado aqui na coluna.

Também apartidário, o movimento na Câmara reúne deputados como Chico Alencar, do PT, Fernando Gabeira, do PSB , Raul Jungman, do PPS, e Luiza Erundina, do PSB. Jungman, por exemplo, define Severino como "uma denúncia ambulante de nossas mazelas". As vaias que ele recebeu no Dia do Trabalho seriam já a indicação da rejeição popular à sua figura e, por extensão, aos políticos.

Não se trata, como ressalva Gabeira, de um movimento contra ninguém, nem a tentativa de formação de uma elite política. Preocupa a esses deputados que, dentre as instituições nacionais que os institutos de pesquisa consideram "clássicas" — governo, Justiça, Forças Armadas, igrejas, etc — o Parlamento, ou Legislativo, seja a que obtém menores índices de credibilidade, rivalizando em desprestígio com os partidos políticos.

O deputado Chico Alencar lembra que das instituições citadas, o Parlamento é o mais exposto, o mais socialmente controlado, e o mais democrático, por renovar-se integralmente pela escolha popular a cada quatro anos — "embora sete de cada dez eleitores se esqueçam de em quem votaram um ano após o pleito". Para ele, o desprestígio crescente do Legislativo, em todos os níveis, "é uma ameaça à democracia, bem como manter o quadro político-eleitoral atual, sem reforma política". Para Jungman, o modelo político em vigor está "absolutamente esgotado", mas é o mais difícil de ser reformado, "o que só acontecerá através da crise".

Os deputados já detectaram que crescem na sociedade duas campanhas: a pelo voto nulo ano que vem, que Chico Alencar admite acontecer "principalmente devido à reversão de expectativas que o governo Lula e o meu PT geram em parcela da população", e a da renovação de 100% do Congresso Nacional ("Não vote em quem tem mandato").

O deputado Raul Jungman lembra da campanha pelo voto nulo durante a ditadura, e ressalta que ela era válida para denunciar a inutilidade do Congresso num regime de força. Agora, a campanha seria também para denunciar a inutilidade do Congresso, mas causada pelos erros do próprio Congresso.

O deputado Fernando Gabeira, por sua vez, lembra que essa mesma atitude da população aconteceu recentemente no Equador. Gabeira acha que defender a renovação da Câmara é uma atitude correta, mas a negação total dos que têm mandato é nivelar todos por baixo e matar a memória do Parlamento que precisa dela para funcionar bem.

O grupo pretende propor aos líderes partidários e à Mesa Diretora uma "agenda positiva" com vários pontos: votação em plenário da redução do recesso parlamentar; regras definitivas para todo e qualquer reajuste de remuneração na Casa, que só valeria para a Legislatura seguinte; vedação do nepotismo; nova regulamentação para plebiscitos e referendos, e a revisão do papel da Corregedoria da Câmara, para evitar que o corporativismo predomine na análise dos processos contra deputados.

Os deputados estão preocupados também com a produtividade da Câmara, que consideram muito baixa. Para melhorá-la, acham imprescindível uma nova regulamentação para tramitação das medidas provisórias, que segundo Jungman transformaram o Congresso em mero homologador das decisões do Palácio do Planalto. Gostariam também de ver aprovado um percentual mínimo de apreciação de projetos do próprio Legislativo, e levar à sociedade uma campanha permanente, educativa, sobre o papel do Poder Legislativo.

O deputado Jungman define a situação: "A base do Parlamento, do mandato, é a confiança". Para ele, o que classifica de "corporativismo terminal" que se instalou no Congresso "rompe o pacto entre representantes e representados".

A auto-concessão de aumentos "indignos e desrespeitosos" é apontada por Jungman como uma razão da quebra de confiança do eleitor. O deputado Fernando Gabeira admite que há uma discussão interna muito grande sobre a verba de gabinete, que foi aumentada recentemente.

Ele se recusa a usá-la, mas muitos deputados consideram que podem usá-la para melhorar as suas atuações. Fernando Gabeira acha que pelo menos deveria haver cortes de custos no Congresso para que a verba de gabinete fosse aumentada. A idéia é reunir o maior número de deputados, juntar-se ao movimento no Senado, e tentar conseguir mudar o regimento, para democratizar a tramitação dos projetos.
O GLOBO

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