O mais interessante dessa disputa entre PSDB e PT, se não pela paternidade, pelo menos pela melhor aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal, é antecipar uma campanha pela Presidência da República no próximo ano tendo por base não a emoção, mas a razão. O presidente Lula, no governo, não vai poder usar sua oratória inflamada para defender o equilíbrio fiscal nem os juros altos, e muito menos o PSDB vai poder atacar a política econômica, a não ser em nuances que, se são fundamentais para marcar diferenças conceituais, não fazem muito diferença para o eleitor médio.
Por isso o candidato mais adequado do PSDB é o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, com a aparência típica da classe média do interior paulista, um "operário" da política interiorana, jovem médico que foi eleito prefeito de Pindamonhangaba aos 24 anos. É um organizador nato, apesar de seu jeito asséptico, gosta de "amassar o barro", como ele gosta de dizer.
Vai estar em polarização na campanha, por decisão do PSDB e da falta de opção do PT, a melhor maneira de gerir o país, e este me parece o caminho mais curto para reeleger Lula, ou então para o surgimento de uma terceira via que pegue o eleitorado pelo coração, um eleitorado que está desiludido com Lula, mas não sente tanta saudade assim de Fernando Henrique. O ex-presidente sabe perfeitamente disso, tanto que está muito à vontade no papel de principal articulador político dos tucanos.
Só há uma chance de o candidato tucano sair vitorioso na campanha presidencial de 2006: a situação econômica se deteriorar de tal maneira que o país entre no ano eleitoral em recessão. Mas aí, talvez o candidato ideal não seja o governador paulista, mas o próprio Fernando Henrique, que poderá ser apresentado como o salvador da pátria.
Na reunião em que o PSDB bateu bumbo para a Lei de Responsabilidade Fiscal, o ex-presidente fez uma única frase que pode deixar antever uma eventual mudança de planos: disse que quando assumiu o Ministério da Fazenda no governo Itamar Franco, não sabia como acabar com a inflação, mas acabou reunindo um grupo de técnicos e encontrou o Plano Real. Com os juros, disse FH, pode acontecer a mesma coisa.
Esta sim, é uma mensagem de esperança, mesmo vinda de quem usou e abusou das altas taxas de juros e da carga tributária para equilibrar as contas públicas e enfrentar crises internacionais. O PSDB tem razão quando diz que hoje, com a economia mundial em expansão, não seria preciso usar tal tática, mas o povão não sabe distinguir um momento de outro, e para todos os efeitos a política econômica atual é igual à do antecessor.
Embora tenha sido a primeira vez em que o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, fez um mea-culpa público pelo PT ter sido contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, ele sempre a defendeu dentro do governo, descartando liminarmente qualquer alteração: "Se mexer numa vírgula, vem tudo abaixo", costuma dizer para rejeitar o assunto quando ele vem à baila.
À medida que a economia vai entrando nos eixos, as demandas por mais gastos vêm à tona, e nos últimos tempos Palocci tem se deixado aparentemente vencer, tanto no aumento real do salário-mínimo, no reajuste da tabela do Imposto de Renda ou nos empréstimos consignados a juros baixos.
Todas essas medidas pressionam a inflação, mas fazem parte de um pacote de bondades que o governo vai desembrulhar até o próximo ano. A reação da equipe econômica é aumentar a carga tributária, e, na prática, o próprio superávit fiscal, o que pode provocar uma contração na economia justamente durante o ano eleitoral.
Prevendo pressões políticas fortes como a que fez o governo editar a medida provisória retroativa para garantir um empréstimo à ex-prefeita Marta Suplicy que ela já não poderia contrair, Palocci diz sempre em conversas informais, e seu ex-secretário de Política Econômica Marcos Lisboa disse em público e quase foi crucificado, que seu antecessor na Fazenda, Pedro Malan, merecia uma estátua por duas medidas adotadas: a renegociação das dívidas dos estados e a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal.
"Se não tivessem renegociado as dívidas, os estados estariam quebrados", costuma dizer, com a experiência de quem está lidando com os problemas financeiros dos estados e municípios na reforma tributária. Na verdade, quem mudou as prioridades do governo petista foi a sociedade brasileira. Um legado importante da era Fernando Henrique é a conscientização da sociedade para a importância do controle da inflação e do equilíbrio fiscal das contas públicas, e não é por acaso que ambos os partidos que polarizam a política nacional exaltam esses valores.
Cada vez fica mais difícil para os petistas descontentes com a política econômica contraporem a "responsabilidade social" à "responsabilidade fiscal", atitude muito em voga em outros tempos, quando o PT era oposição raivosa e se batia contra a LRF.
Assim como o Brasil tem uma economia muito grande para se dar ao luxo de fazer bravatas ao estilo Kirchner, ou para adotar o populismo de Chávez, e por isso fica cada vez mais difícil para Lula se equilibrar entre os dois "companheiros", também PT e PSDB são partidos hoje com interesses muito grandes, e semelhantes, para entrarem em aventuras.
Mas como essa política exige perseverança e sacrifícios, e os resultados demoram a aparecer, pode chegar uma hora em que essa bandeira seja levantada por um candidato como Garotinho, dentro de um figurino populista sem compromissos outros que não vencer a eleição. O campo das experimentações irresponsáveis e das promessas vãs, que já foi ocupado pelo PT com sucesso, hoje está aberto ao primeiro aventureiro.
O GLOBO
Entrevista:O Estado inteligente
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