Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, maio 19, 2005

Dora Kramer:Equilíbrio ou desmoralização

Nessa altura, instalar a comissão parlamentar para investigar corrupção na Empresa de Correios e Telégrafos é a menor e a mais fácil das tarefas que têm a Câmara e o Senado. As condições exigidas pelo regimento das Casas estão cumpridas, há apoio partidário suficiente e não existem resistências fortes, pois grassa entre os líderes governistas o conformismo: não havendo remédio, a sorte está lançada.

E, por sorte, entenda-se não só a ventura ou desventura do governo, mas também o destino da oposição e a fortuna, ou o infortúnio, dos políticos. O momento e o caso frente os quais se instala a CPI são especialmente delicados. O episódio em cartaz – o flagrante de um funcionário dos Correios sendo subornado e dando a entender que há disseminação de corrupção organizada em outras áreas da administração pública – envolve práticas do Poder Executivo e bate em cheio no Legislativo.

Vem a público numa hora conturbada. É fato a fragilidade do governo no manejo de seu instrumental político-parlamentar, é crescente a exposição de malfeitos ocorridos no ambiente político e é explícita a intolerância social com as afrontas à legalidade e aos bons costumes.

Semanas atrás a população de uma cidade no interior de Goiás reagiu com violência à tentativa da Câmara Municipal de aumentar os salários dos vereadores; no final da semana passada, uma juíza de Campos (RJ) impôs rigor ao uso da máquina pública em campanhas eleitorais sentenciando inelegíveis duas figuras de destaque no cenário nacional: o ex-governador do Estado do Rio de Janeiro Anthony Garotinho e a governadora Rosângela Matheus Garotinho.

Ato contínuo, ambos reagiram com total falta de cerimônia atacando pessoalmente a juíza autora da sentença e, em conseqüência, provocaram protestos generalizados no Judiciário e na sociedade.

Dias antes, dois ministros de Estado, um deles presidente do Banco Central, foram incluídos no rol de investigados, um pelo Ministério Público, outro pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Terça-feira, em Rondônia, estudantes atacaram o prédio da Assembléia Legislativa de Porto Velho em protesto contra deputados exibidos na televisão tentando vender ao governador Ivo Cassol votos para livrá-lo de processo de impeachment; no mesmo dia, em Alagoas, a Polícia Federal prendia prefeitos e ex-prefeitos sob acusação de desvio de verbas federais destinadas à merenda escolar e a projetos de alfabetização.

A compor o cenário nefando, casos recentes de absolvição corporativa de políticos sob graves suspeições e um largo passivo de complacência oficial – herdada, é verdade, mas francamente acentuada por este governo – com toda sorte de condutas condenáveis.

Junte-se a isso o esfacelamento da confiabilidade das comissões parlamentares de inquérito como instrumentos de investigação política, temos um quadro em que o Congresso estará submetido, uma vez instalada a CPI dos Correios, a um teste de responsabilidade, credibilidade, seriedade, coragem e equilíbrio.

Será o primeiro processo desse tipo no governo Lula e, também, pela primeira vez na história recente, uma CPI não tem inspiração social, política e moral no PT. A condução, por assim dizer, será daqueles que mais resistência impunham ao recurso da comissão parlamentar de inquérito.

A comissão parlamentar atrairá todas as atenções e, de certo modo, poderá se prestar ao papel de acontecimento-catarse do esgarçamento ético instaurado no sistema representativo.

Se for mal conduzida, transformada palco de exibicionistas, usada para fins eleitorais, manipulada por interesses escusos, posta a serviço da produção de armas de ataque entre adversários ou vista como teatro de acochambro geral, o Congresso baterá no fundo do poço, levará junto o que resta de confiança popular nas instituições e, pela via da desmoralização geral, aí sim a crise política estará verdadeiramente instalada no país.

Isso não quer dizer que a CPI, se bem feita, terá o condão de repor as coisas em seus lugares. Mas já será um alento se suas excelências não as tirarem de vez do prumo, seja por iniciativa do governo de desqualificar o trabalho da CPI, seja por tentativa da oposição de antecipar, com ela, o calendário eleitoral.

Antes da chuva

O presidente Luiz Inácio da Silva não ajuda a imprimir moderação ao ambiente quando se declara em estado de parceria e solidariedade explícita com o presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson.

A presunção de inocência conferida ao deputado citado pelo funcionário dos Correios como condutor do esquema de corrupção na empresa é uma condição, mas não serve à absolvição que será determinada, ou não, no curso da CPI.

Tanto que o próprio deputado apoiou a investigação, durante a qual muitas coisas serão esclarecidas. Entre elas a razão que levou o presidente do PTB a não pedir ao diretor por ele indicado o afastamento do funcionário, mesmo tendo, como disse em sua defesa, tomado conhecimento da gravação do ato de suborno duas semanas antes da publicação da denúncia na revista Veja.
o dia

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