Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 14, 2005

Everardo Maciel:


"Lula gasta muito mal o nosso dinheiro"
O ex-secretário da Receita avisa que não há mais brechas para a criação de novos impostos, critica a carga trabalhista e diz que a única saída é melhorar a eficiência das despesas do setor público

Por Leonardo Attuch

Nenhum homem, na história republicana, conseguiu cobrar tantos impostos quanto o pernambucano Everardo Maciel. Em sua gestão na Receita Federal, entre 1995 e 2002, a carga fiscal subiu de 25% para 34% do PIB. No entanto, ele avisa que seus sucessores no posto de Leão da Receita não terão condições de repetir seu estilo. “Não sobrou qualquer espaço para novos aumentos de impostos no Brasil”, avalia. A única saída para os governantes, diz Everardo, é melhorar a eficiência dos gastos públicos. E, na sua visão, o governo petista, que criou vários ministérios e milhares de cargos comissionados, é um monumento ao desperdício. Como solução para o excesso de impostos, ele propõe o fim das despesas vinculadas, como as de saúde e educação, defende um novo pacto federativo e avaliza idéias como o Super Simples, aquele projeto que cria um imposto único para as micro e pequenas empresas. Atuando como consultor de grandes empresas na área tributária, ele garante que não mudou depois de sair do governo. “Nenhum empresário me pede que lhe ensine o caminho das pedras para pagar menos imposto”, diz ele. “Meus clientes defendem apenas um regime de competição isonômico”. Franco e direto, Everardo só não declara um único dado a seu respeito: a altura. “Tenho o tamanho do Romário”, diz. A seguir, os principais trechos de sua entrevista à DINHEIRO.

DINHEIRO – A derrota do governo na votação da Medida Provisória 232 comprova a tese de que a sociedade não tolera novos aumentos de impostos?
EVERARDO MACIEL – Eu falo isso há muito tempo. A carga tributária chegou ao seu limite. Mas ela não é feita só pelo imposto; ela é feita também pela despesa. E eu vejo que há um novo debate sobre a eficiência do gasto público.

DINHEIRO – O governo Lula gasta mal seus recursos?
MACIEL – Ele gasta muito mal nosso dinheiro. O gasto público brasileiro é o ovo da serpente. A discussão correta hoje é como reduzir a carga tributária pela via da despesa.

DINHEIRO – E como isso pode ser feito de forma concreta?
MACIEL – A primeira questão importante é acabar com a vinculação constitucional de receitas e despesas. No Brasil, muitos têm uma visão primitiva. Acreditam que os problemas de uma determinada área, como educação ou saúde, por exemplo, se resolvem fixando um percentual da arrecadação de tributos para o setor.

DINHEIRO – Vincular tributos não é uma forma de garantir que áreas importantes não sejam negligenciadas?
MACIEL – Não. Isso é uma visão contábil, que apenas induz à manipulação de dados. A questão é outra. Temos de vincular o repasse de recursos a metas físicas.

DINHEIRO – Como assim?
MACIEL – Vou te dar um exemplo. O governo pode dizer que só irá transferir recursos para municípios que, dentro de um determinado horizonte de tempo, estejam comprometidos a erradicar o analfabetismo.

DINHEIRO – Isso pode ser fiscalizado?
MACIEL – O que não se fiscaliza é esse modelo contábil. Uma prefeitura pode dizer que gastou 10% da receita com educação, sem ter gasto. Sempre é possível fazer um arranjo, transferindo despesas de outras áreas para uma secretaria supostamente social. A política pública boa é aquela que se compromete com o máximo da solução de um problema, com o mínimo de gastos.

DINHEIRO – Ao fixar um determinado percentual na lei, o governo cria uma camisa de força?
MACIEL – Claro. Outro dia, ouvi uma discussão bizantina entre duas ex-prefeitas de São Paulo, a Luiz Erundina e a Marta Suplicy. A Erundina dizia que a Marta não gastava 25% da receita com educação. A Marta, por sua vez, dizia que gastava mais de 30%. Era um debate sem nexo.

DINHEIRO – Por quê?
MACIEL – Porque ninguém dizia se estavam gastando bem ou mal, se era muito ou se era pouco.

DINHEIRO – Além do fim da vinculação de receitas, o que mais pode ser feito para flexibilizar as despesas?
MACIEL – A partilha de gastos públicos.

DINHEIRO – Mas o sr. sempre foi acusado de aumentar contribuições, e não impostos, para que a receita ficasse toda com a União, e não com estados e municípios.
MACIEL – Fazíamos o que era certo. O aumento tinha que ser feito na contribuição mesmo. Suponha que o governo federal precisasse de um real de arrecadação. Num imposto convencional, como o IPI ou o Imposto de Renda, o governo teria de cobrar três reais a mais para obter aquele real necessário. Portanto, haveria uma gordura desnecessária, que iria para estados e municípios. Teríamos mais desperdício e uma maior carga tributária sem qualquer benefício. Portanto, o aumento das contribuições no bolo da arrecadação foi algo desejado, racional e necessário.

DINHEIRO – E por que o sr. fala em mudar a partilha dos gastos?
MACIEL – Nós cometemos um erro, que foi o de fazer com que as transferências federais para estados e municípios tivessem por base o IPI e o IR. A base de cálculo das transferências deveria ser o conjunto dos impostos e não dois tributos em particular.

DINHEIRO – Não há excesso de desperdício?
MACIEL – Claro. Esse governo tem sido marcado por um excesso de contratações com milhares de novos cargos de confiança.

DINHEIRO – Como o sr. avalia o fato de o Brasil ter hoje mais de 30 ministérios?
MACIEL – É uma tolice. Como é que alguém pode achar que vai resolver um problema nacional criando mais um ministério? Veja o caso da secretaria dos Direitos Humanos, do Nilmário Miranda. É tanta falta do que fazer que inventaram a cartilha do politicamente correto. Isso tem que ser detonado. Além disso, a questão dos direitos humanos não precisa ter um ministério. Isso é um princípio geral, que deve estar em qualquer lugar. Tem que estar na Receita, na Agricultura, no Trabalho ...

DINHEIRO – Não há também muito choque entre pólos opostos, como Agricultura e Reforma Agrária?
MACIEL – Aí entramos no campo da dialética besta, outra característica do PT. É um governo que tem vários focos de confronto porque o presidente Lula busca conciliar todas as tendências do seu partido. Temos o PT, o PT do B, o PT do C e por aí vai. O resultado é um governo sem rumo, sem norte. Os comunistas eram melhores nesse aspecto. Em qualquer questão, eles sempre se perguntavam: para onde vamos? Hoje, o Brasil tem a dialética da inconsistência.

DINHEIRO – Essa dialética inchou o Estado brasileiro?
MACIEL – Está inchando, num processo que não leva a nada. O governo tem que refletir as tendências da sociedade brasileira, e não as tendências de um partido político ou de um mero movimento do PT.

DINHEIRO – O governo Lula assumiu o governo com o compromisso de não aumentar a carga tributária, mas ela continua subindo. Há quem fale até em 40% do PIB.
MACIEL – O número correto é o que a Receita Federal utiliza, entre 36% e 37% do PIB.

DINHEIRO – Sua gestão foi muito marcada pelo aumento da carga fiscal. Como o sr. responde a essa crítica?
MACIEL – De forma simples. Tinha que crescer mesmo, só que agora chegou a um limite. São duas afirmações distintas e conciliáveis. Antes havia um enorme espaço, através de brechas fiscais que podiam ser exploradas. Não há mais.

DINHEIRO – Não sobrou nenhuma brecha?
MACIEL – Absolutamente nada. Depois da MP 232, qualquer coisa que vier irá enfrentar muita resistência. Mas aquela medida tinha um erro grave. Ela não gerava nenhum ganho extraordinário de receita, mas trazia muito desgaste. O aumento de receita em 2005 seria apenas de R$ 300 milhões. Foi muito barulho por nada. A MP 232 teve um efeito extra-receita.

DINHEIRO – Que efeito?
MACIEL – Ela mostrou que esse governo nutre um certo preconceito por um fenômeno econômico mundial, que é a terceirização das atividades empresariais.

DINHEIRO – Falava-se em justiça fiscal.
MACIEL – Bobagem. Não há como comparar a tributação de pessoa física com a da pessoa jurídica. O modelo brasileiro para a pessoa jurídica é moderno e é correto.

DINHEIRO – Mesmo no caso de um funcionário que foi terceirizado para pagar menos imposto.
MACIEL – Isso foi uma resposta do mundo empresarial a uma estupidez brasileira, que é nossa resistência em mexer na tributação dos salários. Na prática, o mercado está fazendo a reforma trabalhista. A nossa legislação das relações de trabalho induz à informalidade. Ela cria dois tipos de cidadão: o de primeira classe e o de quinta classe. E o de primeira classe é cada vez mais escasso.

DINHEIRO – A ampliação do Simples resolveria isso?
MACIEL – Quando fizemos o Simples, esboçamos uma reforma trabalhista. O economista José Pastore, especialista em relações do trabalho, avalia que o Simples gerou 3 milhões de empregos, entre 1997 e 2002. A contratação temporária de mão-de-obra criou 17 mil empregos.

DINHEIRO – Por que tanta diferença?
MACIEL – A contratação temporária de mão-de-obra é complexa; o simples é simples.

DINHEIRO – Como o sr. vê então a proposta do Super Simples, lançada pelo presidente do Sebrae, Paulo Okamotto?
MACIEL – Essa proposta nasceu na Receita, no meu período. Ao contrário do que as pessoas pensam, a Receita não é contra. A resistência parte da Previdência Social. Mas o projeto é muito bom. Primeiro porque não pune o crescimento das empresas. As alíquotas sobem de forma contínua e suave. Hoje, no Brasil, predomina o nanismo tributário pois quem é pequeno paga menos. Um sistema é bom quando não pune quem é grande. Além disso, o Super Simples também desburocratiza a criação e o registro de empresas. Fica só o CNPJ.


DINHEIRO – Inscrições municipais e estaduais não se justificam?
MACIEL – Isso só se explica pelo corporativismo federativo brasileiro. Somos o último país do mundo que tem isso.

DINHEIRO – Volta e meia, o ministro Antônio Palocci acena com a possibilidade de aumentar o IR dos mais ricos para 35%.
MACIEL – Isso é apenas uma idiotice, sem futuro. A progressividade tributária é um mito, que está cada vez mais em desuso no resto do mundo. O melhor sistema, no limite, é aquele com única alíquota. Mas a Constituição não permite isso. Ela obriga a progressividade. Só que todos os países do mundo com legislação moderna, especialmente do Leste Europeu, estão buscando uma alíquota única. O bom imposto é o imposto simples. A sonegação gosta das trevas, da falsidade, da hipocrisia.

DINHEIRO – Durante muitos anos, o sr. se preocupou em cobrar impostos das empresas. Hoje, é consultor na área fiscal. Não há um conflito de interesses?
MACIEL – Haveria conflito se houvesse simultaneidade. Não existe incompatibilidade entre o que eu fui e o que eu sou, ou o que sou e o que serei. Além disso, sou professor.

DINHEIRO – Mas o sr. não ensina empresas a pagar menos?
MACIEL – Não faço nada em que não acredite. Nenhuma empresa me pede para pagar menos. E há um fato novo. Os empresários querem concorrência leal. Se todos pagarem o mesmo, tudo bem. Eu fiquei muito feliz, dias atrás, quando participei de uma conferência sobre impostos e vi as pessoas da Receita dizendo: ´o chefe continua igual´.

DINHEIRO – E o que é mais gratificante: trabalhar no governo ou no setor privado?
MACIEL – No governo. Sou um homem do setor público.

entrevista-IÉ Dinheiro

Um comentário:

Anônimo disse...

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