Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 14, 2005

AUGUSTO NUNES:Passaporte para o portunhol

Passaporte para o portunhol

O ministro da Educação, Tarso Genro, está decidido a estimular o domínio do idioma espanhol por multidões que só falam português. Além da intensificação do intercâmbio entre professores brasileiros e argentinos, o ministério começou a implantar escolas bilíngües nas cidades fronteiriças. Mais: em poucos anos, todos os alunos da rede oficial de ensino médio estarão estudando espanhol diariamente. Sempre bem-vindas, tais inovações são apenas um bom começo. Outras urgências exigem atendimento imediato no país que se pretende parteiro e pastor do Mercosul. Uma delas só foi escancarada na cerimônia de apresentação do novo passaporte brasileiro. Ficou evidente a necessidade de criar-se cursos supletivos de espanhol destinados especificamente a altos funcionários.

O primeiro curso seria instalado no Ministério da Justiça. A sala de aulas abrigaria os principais assessores do ministro Márcio Thomaz Bastos, reservando-se a fila do gargarejo à turma que cuida do setor de passaportes.

Em desenvolvimento desde 1997, o novo documento foi divulgado com pompas e fitas. Contém 16 itens de segurança, suficientes para implodir qualquer barreira erguida pela mais exigente alfândega. O verde foi substituído pelo azul, a cor do Mercosul - expressão que aparece no alto da capa, acima de República Federativa do Brasil.

Redigido até agora em português e inglês, o texto que pede a autoridades estrangeiras ajuda e proteção aos portadores do documento incorporou a versão em espanhol. Em três linhas, consumou-se o naufrágio lingüístico.

O autor do texto, ainda no anonimato, cometeu seis erros de ortografia especialmente grosseiros (confira na ilustração). A cada duas palavras, um erro. Algum recorde foi batido. Mas os burocratas federais nem notaram.

Os vizinhos teriam deduzido que o Brasil transformara o portunhol na língua oficial do Mercosul se o Ministério da Justiça não fosse alertado pelo colunista Ricardo Boechat e pela repórter Ana Carolina Gitahy, ambos do Jornal do Brasil. Constrangido, o secretário-executivo Luiz Paulo Barreto prometeu corrigir os equívocos. Depois de ressalvar que o documento fora produzido em parceria com o Itamaraty, admitiu que a versão em espanhol não passara por indispensáveis revisões. Deu no que deu.

"Ainda é um protótipo", argumentou Barreto. "Passaremos um pente fino no documento". Se só começará a circular em dezembro, por que precipitar a exibição do recém-nascido? Barreto não sabe. Tampouco explicou por que o texto redigido em portunhol continuava intocado, pelo menos até quinta-feira, no site do Ministério da Justiça.

O projeto do novo passaporte foi contemplado com verbas que somam R$ 332 milhões (parte dos quais, aliás, consumida sem licitações exigidas por lei). Dinheiro não tem faltado. O que parece andar em falta é competência.

O troféu da despedida

O ainda ministro Aldo Rebelo explicou a vitória de Severino:

Ao escolher um nome de outro partido, o povo foi sábio: como nenhum tem hegemonia, alianças se tornam necessárias.

Uma frase assim merece a taça. E justifica a iminente demissão do autor.

Índias do Acre se rendem à prostituição

O jornal A Gazeta, editado em Rio Branco, surpreendeu desagradavelmente os donos do poder no Acre com uma reportagem recheada de más notícias. O governador petista Jorge Viana soube da inquietante proliferação de mulheres indígenas que se prostituem para sobreviver. Em Sena Madureira, perto da capital, fazer sexo com adolescentes custa 1 quilo de farinha, ou goles de cachaça.

O fenômeno não melhora a imagem da única Secretaria de Assuntos Indígenas existente no país. Atesta que algumas tribos seguem à margem do programa de desenvolvimento sustentado que Viana batizou de "Florestania". E sugere que entre os "povos da floresta" da ministra acreana Marina Silva não figura a gente das malocas.

O charme de Wolfe ilumina festa do livro

A brisa de maio sopra com mais brandura quando o Rio é iluminado por outra Bienal do Livro. Sobretudo se a festa da inteligência começa com uma conferência do jornalista e escritor americano Tom Wolfe. Um dos inventores do new journalism, romancista da melhor linhagem, esse homem de fina estampa escreveu livros admiráveis, como A fogueira das vaidades e Os eleitos.

A curta temporada no Rio permitiu-lhe divulgar o recém-lançado Eu sou Charlotte Simmons. Jornalistas, escritores, leitores de todas as idades, homens de bom gosto, correi! É essencial ler tudo o que Tom Wolfe escreveu e escreverá. É indispensável saber o que pensa. Todos ficamos mais inteligentes. E a Bienal, ainda mais charmosa.

Para quê? Para nada

No campo econômico, o Brasil nada ganhou com a Cúpula América do Sul-Países Árabes (ou Caspa, sigla formada pelas letras iniciais. Não deve pegar). Os árabes ficaram nas promessas: nenhum negócio de vulto foi fechado com governos ou empresas. Só viram a cor dos petrodólares as louras das arábias que animaram as noites dos turbantes.

Com a Argentina, as coisas ficaram um pouco piores: entre um bocejo e outro, o presidente Néstor Kirchner escancarou a anemia do Mercosul. Os demais vizinhos limitaram-se a discursos que celebraram a liderança exercida pelo Brasil. Sem um líder de tal porte, não se teria forjado a histórica aliança entre nações distantes e distintas. A Caspa haverá de redesenhar a geopolítica do planeta.

Sempre espertos, os árabes endossaram os exageros retóricos. E afagaram Lula com promessas de apoio à candidatura do Brasil a uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU. Essas miçangas custaram caro ao governo Lula. Excitados, os árabes assumiram o controle. O palco virou palanque, temas econômicos foram varridos da agenda invadida pela política.

Patrocinados pelo Planalto, figurões do mundo árabe agitaram Brasília com performance suficientemente espetaculosa para camuflar contradições. Com os olhos voltados para a presença americana no Iraque (representado pelo presidente eleito), criticaram asperamente a ocupação de um país por outro mais poderoso. Fingiram ignorar a ocupação do Líbano pela Síria.

Além de ouvir calado furibundos ataques a nações amigas, Lula subscreveu o documento com as conclusões finais. O papelório omite expressões como "democracia" e "direitos humanos". E admite o uso do terrorismo por povos sob ocupação. Esse argumento foi invocado pelo bando iraquiano que seqüestrou há meses o engenheiro brasileiro João José Vasconcellos.

Em busca da ressurreição improvável

Um dos momentos mais reveladores do documentário Entreatos, em que o diretor João Salles resume o vitorioso epílogo da campanha de Lula, é protagonizado por José Dirceu. Em outubro de 2002, o líder estudantil que foi guerrilheiro aprendiz em Cuba até voltar clandestinamente ao Paraná, para encarnar um dono de butique, vivia seu papel predileto: o Dirceu durão, comandante incansável e implacável das legiões que marchavam rumo ao Planalto - e ao poder.

O trecho dura menos de um minuto. As falas são poucas e curtas. Somadas, dizem tudo. Sentado ao lado de Lula no sofá da sala reservada ao primeiríssimo escalão, Dirceu está contando as notícias do dia. Interrompe bruscamente o relato ao notar que a porta se abrira para a entrada de um grupo armado de câmeras e microfones.

- Quem é esse pessoal? - sobressalta-se. - É nosso? - É o pessoal do João Salles - informa Gilberto Carvalho, assessor especial de Lula.

- E quem é João Salles? - replica Dirceu.

Carvalho explica que se trata do documentarista autorizado a registrar a etapa derradeira da campanha presidencial.

O rosto continua a exibir os vincos da dúvida.

- É gente de confiança - garante Carvalho.

- E você acha que ainda existe quem mereça inteira confiança? - ironiza o chefão. - Se soubesse o que fico sabendo das outras campanhas...

- Eles podem ficar - encerra o assunto Lula. Corte para a cena seguinte.

Nesse punhado de segundos, o documentário capturou a essência da alma do Dirceu durão. O personagem não deve confiar por inteiro em ninguém. Não deve nem pode.

Ao longo da vida, foi enganado em muitas ocasiões. (Líder estudantil, descobriu tardiamente que estava namorando uma espiã a serviço da polícia política.) Em outras tantas, enganou alguém. No Paraná, com outro nome e outro rosto, casou-se e teve um filho. Só contou quem era cinco anos depois.

Na montagem do Ministério de Lula, enganou meio mundo com promessas jamais cumpridas. Descobertas as delinqüências praticadas por Waldomiro Diniz, amigo e braço direito do chefe da Casa Civil, refugiou-se no papel de enganado. Para Dirceu, tornou-se impossível acreditar em alguém. Para o Brasil, é cada vez mais difícil acreditar em Dirceu.

Ele parece não saber disso. De volta ao posto de governador-geral, trai em gestos e palavras a certeza de que será tratado com a reverência dos velhos tempos. Engana-se. E segue enganando. Há dias, afirmou que a multidão de novos funcionários é indispensável à remontagem da máquina administrativa destruída por FH. E buscou exemplos com uma pergunta à ministra das Minas e Energia, Dilma Rousseff.

- Quantos engenheiros você encontrou quando assumiu?

- Um - respondeu Dilma.

Um engenheiro só? Essa foi boa. Conta outra, ministra.

Animado com a cassação do agora ex-deputado federal André Luiz, o Cabôco Perguntadô está muito interessado nos próximos capítulos. Como a perda do mandato não revoga bandalheiras, o Cabôco quer saber como anda o caso na Justiça. E pergunta: o que já foi feito para remeter a alguma cadeia o extorsionário trapalhão?

jb

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