Demorou, mas veio. A profunda contrariedade do governo argentino diante dos rumos recentes da política externa brasileira, amplamente conhecida nos círculos diplomáticos, explodiu em declarações do presidente Nestor Kirchner e do chanceler Rafael Bielsa. O Brasil atua nas crises venezuelana e equatoriana à revelia dos vizinhos, como fez antes na Bolívia. Quer todos os cargos disponíveis nas organizações internacionais, da ONU à OMC, passando pela FAO e, se fosse possível, "até o Vaticano". Almeja uma liderança sem contrapartida ou concessões. Não leva a sério o Mercosul. Basta: "O que está em jogo é a aliança estratégica bilateral", na dura síntese de Bielsa.
A panela de pressão fervia desde o início do governo Lula, quando o Itamaraty retomou a campanha por um lugar entre os membros permanentes do CS (Conselho de Segurança) da ONU. A campanha tornou-se, bem depressa, o eixo orientador da política externa brasileira, subordinando às suas necessidades os princípios, os valores e os compromissos proclamados pelo Brasil. O apito soou no início do ano, ativado pelo ensurdecedor silencioso oficial brasileiro diante da renegociação da dívida externa argentina, que mal ocultava o boicote de autoridades do Ministério da Fazenda com trânsito livre no FMI. Em Buenos Aires, ninguém debate a avaliação de que o Brasil traiu o compromisso básico de solidariedade com o aliado supostamente estratégico.
Os argentinos estão certos. Nos últimos dias, analistas tentaram justificar a arrogância do Itamaraty ressuscitando argumentos geopolíticos sobre o peso territorial, demográfico e econômico do Brasil e a extensão de nossas fronteiras políticas. Atrás do vazio da argumentação, estão as raízes da política desastrosa conduzida nos últimos dois anos.
O governo Lula e o Itamaraty de Celso Amorim beberam na fonte sempre disponível da geopolítica militar e recuperaram o conceito de potência média e a noção de "liderança natural" na América do Sul. Esse é o arcabouço teórico da campanha histérica na direção do CS, que, por sua vez, exige uma meticulosa articulação entre Brasília e Washington. O Haiti foi o primeiro fruto dessa articulação. As iniciativas de mediação unilateral e informal nas crises andinas são o segundo fruto. O desprezo às consultas com a Argentina, mera conseqüência.
Lula proclama que seu governo é o início verdadeiro da história do Brasil. Amorim, com outro palavreado, diz a mesma coisa sobre a política externa brasileira. Mas ele não combinou isso com nossos parceiros, que não têm nenhuma obrigação de esquecer o passado. A Argentina lembra que, ao caminhar rumo ao Mercosul, aceitou uma liderança condicional e qualificada do Brasil. Essa liderança não é "natural" e, por isso, deve ter contrapartida: a valorização dos interesses nacionais argentinos, a formulação conjunta de posições estratégicas. É isso que Kirchner e Bielsa cobram.
A panela de pressão fervia desde o início do governo Lula, quando o Itamaraty retomou a campanha por um lugar entre os membros permanentes do CS (Conselho de Segurança) da ONU. A campanha tornou-se, bem depressa, o eixo orientador da política externa brasileira, subordinando às suas necessidades os princípios, os valores e os compromissos proclamados pelo Brasil. O apito soou no início do ano, ativado pelo ensurdecedor silencioso oficial brasileiro diante da renegociação da dívida externa argentina, que mal ocultava o boicote de autoridades do Ministério da Fazenda com trânsito livre no FMI. Em Buenos Aires, ninguém debate a avaliação de que o Brasil traiu o compromisso básico de solidariedade com o aliado supostamente estratégico.
Os argentinos estão certos. Nos últimos dias, analistas tentaram justificar a arrogância do Itamaraty ressuscitando argumentos geopolíticos sobre o peso territorial, demográfico e econômico do Brasil e a extensão de nossas fronteiras políticas. Atrás do vazio da argumentação, estão as raízes da política desastrosa conduzida nos últimos dois anos.
O governo Lula e o Itamaraty de Celso Amorim beberam na fonte sempre disponível da geopolítica militar e recuperaram o conceito de potência média e a noção de "liderança natural" na América do Sul. Esse é o arcabouço teórico da campanha histérica na direção do CS, que, por sua vez, exige uma meticulosa articulação entre Brasília e Washington. O Haiti foi o primeiro fruto dessa articulação. As iniciativas de mediação unilateral e informal nas crises andinas são o segundo fruto. O desprezo às consultas com a Argentina, mera conseqüência.
Lula proclama que seu governo é o início verdadeiro da história do Brasil. Amorim, com outro palavreado, diz a mesma coisa sobre a política externa brasileira. Mas ele não combinou isso com nossos parceiros, que não têm nenhuma obrigação de esquecer o passado. A Argentina lembra que, ao caminhar rumo ao Mercosul, aceitou uma liderança condicional e qualificada do Brasil. Essa liderança não é "natural" e, por isso, deve ter contrapartida: a valorização dos interesses nacionais argentinos, a formulação conjunta de posições estratégicas. É isso que Kirchner e Bielsa cobram.
FOLHA DE S.PAULO
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