Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, maio 20, 2005

Cristovam Buarque:O erro dos erros


Na sua primeira coletiva à imprensa, o presidente Lula admitiu que seu governo havia cometido três erros: ter permitido que a manutenção de uma taxa de juros tão alta se convertesse na principal política de combate à inflação; não ter investido na recuperação das rodovias federais; e ter participado pouco na votação para a presidência da Câmara dos Deputados, permitindo assim a eleição do deputado Severino Cavalcanti.

A escolha desses três pontos, em resposta à pergunta do jornalista, é uma espécie de psicanálise do governo. Lula liberou o inconsciente, aquilo que se passa no íntimo do seu governo. Ao reconhecer esses três erros, ele acabou cometendo outro, ainda grave: o de desconsiderar outros erros cometidos. Confessou três falhas que poderiam ter sido cometidas e confessadas por qualquer outro presidente, eleito por qualquer composição política, no passado. Admitiu erros que não mostram uma firme determinação de mudar o Brasil.

O presidente não admitiu ter mantido o velho estilo de fazer política, por meio de acordos muito parecidos com os do passado. Ignorou ainda o fato de não ter implementado políticas públicas que reorientassem o trágico quadro social brasileiro, como todos esperavam. Deixou também de confessar que errou ao não combinar uma política econômica responsável com investimentos sociais absolutamente essenciais, como água e esgoto, habitação e saúde pública. Sua mea culpa resumiu-se a três pontos relativos à economia, infra-estrutura e coordenação política, sem menção à grave falha de não ter desenhado com nitidez, em quase três anos de governo, uma cara nova para o governo.

Ele poderia ter reconhecido que pior do que a falta de coordenação, que levou à eleição de Severino, foi a inexistência de uma bandeira aglutinadora, que unificasse o Brasil na busca de um novo rumo. Que unisse o povo brasileiro na certeza de que, após o salto da democracia de 1985, e do salto da estabilidade de 1994, o País daria, finalmente, o tão esperado salto social. A ausência dessa bandeira é a principal causa de todos os outros pequenos erros, como os três que ele preferiu admitir.

Em 2003, o governo apresentou duas propostas de reformas, a previdenciária e a tributária. Era o momento de ter apresentado sua proposta de reforma social. No entanto, isso não aconteceu. Ao deixar de reconhecer isso, o presidente cometeu um erro ainda mais grave.

A eleição do presidente Lula representou a ânsia nacional por mudanças profundas, a expectativa por um governo que iniciasse um novo ciclo na história brasileira: de eliminação da pobreza, de superação da brutal concentração de renda, de redução das desigualdades sociais e regionais, do início de uma revolução na Educação e na Saúde do povo brasileiro, da ética no exercício diário da política. Infelizmente, nestes dois anos e meio, essa cara nova ainda não foi apresentada.

Esse foi o maior erro cometido até aqui. Um erro que dificilmente será superado nos poucos meses que faltam para o fim do primeiro mandato. E que terá chances ainda menores de ser corrigido num segundo mandato

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