Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 14, 2005

AUGUSTO NUNES:A cassação não encerra o caso



14.05.2005 |  Parlamentares punidos com a cassação do mandato perdem um bom emprego e são temporariamente proibidos de desfrutar da vida pública. É uma punição severa, mas circunscrita ao Congresso, que atribui a amputação de mandatos a um delito indecifrável: "quebra do decoro parlamentar". Sem menções explícitas aos crimes cometidos pelos punidos, deputados e senadores arquivam o episódio.

Encerrado no Legislativo, o caso começa na Justiça. Cassações não revogam o Código Penal, não cancelam delinqüências, não redimem suspeitos. A interrupção do mandato provoca o sumiço da imunidade parlamentar – o outro nome da impunidade.

Fora do Congresso, estão mais perto da cadeia. Ou deveriam estar, como sugere o episódio protagonizado pelo agora ex-deputado André Luiz. O caçula dos cassados foi pilhado em flagrante quando tentava extorquir R$ 4,5 milhões do bicheiro Carlinhos Cachoeira. Em troca, como atesta a conversa gravada numa fita cuja autenticidade foi confirmada por peritos, livraria Cachoeira de investigações, em curso no Legislativo, sobre patifarias envolvendo empresários lotéricos.

A cassação aposentou o deputado. Assustado, é até possível que André Luiz tenha resolvido encerrar a carreira de extorsionário. Isso não o exime de pecados já cometidos, não lhe redesenha o passado, não apaga o prontuário. Como qualquer cidadão, deve ser julgado pelo que fez. Quem rouba é ladrão. E ladrão merece cadeia.

Se o castigo estacionar no confisco do mandato, o Brasil correrá o risco de consolidar uma perigosa jurisprudência: quem perde o emprego por ter cometido algum crime, como tantos deputados larápios, fica dispensado do acerto de contas na Justiça comum. Um fiscal da Receita Federal demitido por ter desviado milhões de reais para os próprios bolsos será eternamente grato ao patrão. Perdeu o emprego? Redimiu-se de todas as culpas no momento em que foi demitido. A pena já foi cumprida.

Ladrões federais não podem seguir usufruindo de tão odiosa indulgência. Dispensar-lhes tratamento especial induz à suspeita de que nada mudou no Brasil. Antes como hoje, todos são iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais que outros. E reafirma que, neste pedaço da América, o risco de punição é inversamente proporcional ao tamanho da roubalheira.

Essa distorção histórica costuma produzir números inverossímeis. Em 1993, o repórter Marcelo Rech publicou no jornal "Zero Hora" um levantamento exemplarmente revelador. Nos 29 meses da Era Collor, constatou Rech, todos os ladrões, assaltantes e estelionatários que agiram em Porto Alegre expropriaram, somados os produtos de 16 mil crimes, o equivalente a 3,7 milhões de dólares. No mesmo período, só a quadrilha de PC Farias, amigão do presidente, embolsou comprovadamente 250 milhões de dólares.

Em média, cada um dos 19 crimes contra o patrimônio registrados diariamente na capital gaúcha rendera 203 dólares. Para igualar a montanha de cédulas verdes erguida por PC e seus comparsas, os vigaristas municipais teriam de praticar 1.231.527 roubos e assaltos. A maioria terminaria na prisão: a ladrões que agem na faixa dos 300 dólares faltam padrinhos e sobram catres. Os afilhados de Collor contornaram sem dificuldades o caminho das celas. Quase todos circulam por aí, abastecidos por sobras de campanhas.

O Brasil melhorou muito pouco nestes 12 anos: os prisioneiros cinco estrelas cabem na carroçaria de um caminhão. Erradicar por completo a corrupção é difícil. Mas é perfeitamente possível acabar com a impunidade, o que reduziria o bando de caçadores de dólares. O destino de André Luiz permitirá enxergar com mais nitidez o destino do Brasil.


NO MINIMO

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