Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, maio 19, 2005

Arrogância e burrice PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.



A arrogância é uma forma de burrice. Alguma modéstia, mesmo falsa, sempre vale a pena.
Digito essas frases e paro, indeciso. Parece um bom começo (modéstia à parte). Mas como continuar o artigo?
Vejamos. Eu poderia atacar a arrogância da diretoria do Banco Central. Enquanto escrevo, o famigerado Copom está reunido em Brasília. Tenho a má sorte de fazer esta coluna às quartas-feiras. Quando a decisão do Copom sobre juros sai tarde, como costuma ocorrer, atacar a política monetária envolve certos riscos. Por exemplo: digamos que o Copom tenha um acesso de lucidez e reduza um pouco a taxa básica de juros. O artigo envelheceria instantaneamente. Felizmente, lucidez não é o forte do comando do BC.
Seja qual tiver sido a decisão de hoje (ontem, para o leitor), uma coisa é certa: a política monetária brasileira é um desatino. O Copom tem recorrido, por exemplo, às "incertezas do cenário mundial" para justificar a sua política. Mas os juros brasileiros fogem a qualquer padrão internacional.
A taxa básica de juros do Brasil é hoje (ontem para o leitor) 19,5% em termos nominais. Deflacionada pela inflação esperada dos preços ao consumidor, ela alcança nada menos que 13,3%. Segundo levantamento da consultoria GRC Visão, apenas dois outros países apresentam juros reais superiores a 5% (a Turquia, com 6,6%, e a Hungria, com 5,3%). A média de 40 países situa-se em apenas 1,2%. Nos desenvolvidos, a taxa real é 0,6%, em média. Nos "emergentes", 1,8%.
Tudo indica que estamos no mesmo planeta que os outros 39 países incluídos no levantamento. Por que será que as "incertezas do cenário mundial" só produzem juros estratosféricos aqui no Brasil?
Está ficando evidente que, do ponto de vista do combate à inflação, a eficácia dessa política de juros é cada vez menor. As pressões inflacionárias recentes não podem ser atribuídas a um excesso de demanda, pelo menos não generalizado. Mesmo que existam excessos localizados e pontos de estrangulamento, não se deve perder de vista o óbvio: excesso é sempre relativo. Excesso de demanda em relação a quê? Em relação à oferta, evidentemente. Ora, a política de juros altos, aplicada em doses cavalares, acaba comprometendo não só o consumo mas também o investimento, vale dizer, as decisões das quais dependem a renovação e a ampliação da capacidade produtiva.
Em outras palavras, a "overdose" de juros é, em parte, contraproducente para o controle da inflação. Por um lado, deprime a demanda; por outro, prejudica a oferta agregada interna.
As causas principais da inflação recente são de outra natureza. Elas têm a ver principalmente com o comportamento dos preços monitorados e administrados por contrato, com choques de oferta interna, como a quebra de safra agrícola decorrente de condições climáticas adversas no Sul do país, e com altas de preços internacionais de produtos importados ou exportados (chamados "tradeables"). A taxa de juro tem pouco ou nenhum efeito sobre esse tipo de inflação.
Não é que o aumento dos juros tenha impacto antiinflacionário nulo. A compressão da demanda interna tende a conter os preços livres de produtos "non-tradeables". O gigantesco diferencial de juros entre o Brasil e o resto do mundo atrai capital especulativo e provoca apreciação cambial. A apreciação resulta em diminuição dos preços em reais dos produtos "tradeables" (que são exportáveis, importados ou concorrem com importações).
A dificuldade é que esses mecanismos começam a se esgotar ou a produzir efeito modesto em comparação com as distorções geradas pelos juros altos. A valorização cambial já foi longe demais e terá de ser, tudo indica, parcialmente revertida. A economia dá sinais de desaceleração. O investimento produtivo está fraquejando desde o final do ano passado.
Se continuar com essa combinação absurda de juros e câmbio, o Copom desempregará não só milhões de brasileiros mas também um certo metalúrgico, atualmente instalado no Palácio do Planalto.
Pode-se discutir se o referido metalúrgico merece ou não conservar o emprego que tem. Mas por que continuar submetendo os brasileiros à irracionalidade arrogante do Copom?
folha de s paulo

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