Entrevista:O Estado inteligente

domingo, dezembro 15, 2013

Um problema que não é do meu vizinho - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 15/12


Novas políticas de acolhimento à infância são perfeitas na teoria, mas esbarram na baixa empatia do público com o tema


O setor de atendimento à infância e adolescência em situação de risco tem, pela frente, um deserto a atravessar. Lá se vão cinco anos desde que as novas diretrizes para o setor foram aprovadas, mas ainda não se pode dizer que sejam uma realidade. Pior. O trabalho exaustivo capitaneado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) tarda em chegar ao cidadão comum, o que faz dessa conversa um colóquio entre marcianos.

Caso alguém ainda lave as mãos, por julgar esse assunto uma questão “da alçada de quem trabalha com menores”, vale um refresco à memória. Com base no que se convencionou chamar Nova Lei da Adoção, modificou-se da água para o vinho o funcionamento das casas-lares. Não podem mais ser afastadas. Nem ter mais que 20 moradores. Tampouco seus inquilinos devem permanecer por lá mais de dois anos. A mais importante das recomendações é que crianças e adolescentes abandonados devem ficar próximas de seus pais – por piores que possam parecer –, parentes e pessoas com quem tenham laços. Chácaras, pavilhões e congêneres dos antigos formatos e educandários ficam para o passado. Na falta de uma família para chamar de sua, os pequenos têm direito a programas de famílias substitutas, algo próximo do que se convencionou chamar de pais sociais. Algo ao contrário disso, só se for excepcional. Sim, é isso mesmo – as novas diretrizes tornam a adoção ainda mais complicada do que já era.

Não se trata aqui de colocar em discussão o que órgãos competentes listaram, em meio a uma longa lição de casa. Cada linha do projeto foi discutida à exaustão. Não se pode acusar as diretrizes de levianas. São sólidas e atendem às necessidades da infância vulnerável, de acordo com a experiência de profissionais e líderes que trabalham com ela. O problema é a aplicação. As pequenas casas, espalhadas pela cidade, devem estar debaixo da custódia de uma equipe técnica capaz de garantir o retorno à família. O parangolé é como o poder público vai dar conta disso, tamanha sua paixão pelo andar pesado dos dinossauros. O atendimento à infância via serviço público pode ser a pior das viagens. Ser aprovado em concurso não implica ter unção e ciência para o trato com vítimas da violência doméstica e abandono.

Não é tudo. “E o financiamento? É preciso pensar em como essas pequenas casas vão se manter”, lembra a jornalista Paola Carriel, mestranda em Ciências Sociais da UFPR, pesquisadora da área de infância e adolescência. Ela se refere ao Instituto Nauru, em Curitiba, que baixou suas portas em março deste ano, impossibilitado de se manter com os esquálidos recursos da Fundação da Ação Social. O Nauru cumpria as diretrizes do Conanda.

De acordo com o pesquisador Rodrigo Navarro, a tendência continua sendo a de que o poder público recorra às organizações não governamentais, terceirizando as diretrizes. Outra batalha: as ONGs, como se sabe, vivem debaixo de abalos sísmicos, em geral provocados por contadores despreparados em gerir a coisa pública. Os meninos e meninas, mais uma vez, pagam a conta. “É um setor de alta complexidade”, alerta Navarro, atento à delicadeza do assunto, e aos riscos de tratá-lo no calor da hora.

A saída só pode ser a boa política. Às vezes, acontece. A descentralização das casas-lares se desenha aos poucos no Brasil. É uma lenha. Exige que mais gente trabalhe com as famílias, via sola de sapato e aumento no número dos centros de referência em assistência social, os Creas e os Cras – ao todo, são 705 centros em todo o estado. Esses órgãos serão cada vez mais chamados à mediação, levando os pais e parentes a educarem os filhos, e não os abrigos. “Abrigo passa a ser a última alternativa”, informa Navarro.

Em tempo. A Fundação de Ação Social de Curitiba é campeã em acolhimento de crianças e adolescentes no Brasil, com mil vagas, distribuídas em dez unidades da própria prefeitura e 48 administradas por ONGs. Um plano de acolhimento, nos moldes do Conanda, está “em construção”, como se diz no movimento social. Sabe-se que do xadrez é o mais difícil. Há, por exemplo, 70 adolescentes não adotáveis, impermeáveis às novas regras. Olhando bem de perto, dá até para tremer as pernas e duvidar da eficácia do modelo que se propõe daqui para a frente. Trabalhar com as famílias dos abandonados, afinal, era até então apenas um discurso na ponta da língua. Agora, uma exigência. Fim da abstração.

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