O Estado de S.Paulo - 18/12
À espera dos bárbaros é um dos mais notáveis poemas do século 20. Seu autor, Konstantínos Kaváfis, viveu em Alexandria, norte do Egito. Se você não conhece essa pequena joia literária, puxe no Google a tradução em português. Vale a pena. Diz muito a respeito deste tempo de espera angustiante dos nossos tempos, de que alguma coisa, eventualmente dolorosa, pode acontecer e que, no fundo, queremos que aconteça logo, para que comece tudo de novo.
De um jeito diferente, parte desse clima de um exército de bárbaros acampado às portas da cidade também prevalece hoje no mercado financeiro internacional. É a expectativa de que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) comece logo a produzir os estragos há meses programados. Hoje é dia de reunião do Fed e algum anúncio do que virá pode acontecer. Trata-se do início da reversão da política de forte emissão de dólares.
No imaginário de tanta gente do mercado financeiro, quase sempre carregado de laivos paranoicos, a reversão dessa política provocará turbulências, porque a perspectiva passa a ser a de relativa escassez de dólares, desvalorização das outras moedas, certa desova de títulos públicos e de ativos de risco e alta dos juros (hoje próximos do zero) nos Estados Unidos e daí no mundo (veja o Entenda).
A aflição dos mercados já foi maior em maio e junho, quando a manobra, anunciada pelo Fed, criou a percepção generalizada de que a reversão da política (o tal tapering - afunilamento) começaria em setembro. Provavelmente não começará antes de março, mas alguma indicação disso poderá ser antecipada hoje.
Ninguém espera a suspensão abrupta da emissão de US$ 85 bilhões por mês, destinada a oxigenar a economia em crise, nem a revenda imediata da imensa carteira de títulos em poder do Fed. Não há nenhum interesse das autoridades da área em pôr tudo a perder com uma reversão precipitada. A indicação da traquejada economista Janet Yellen à presidência do Fed, e a do renomado economista Stanley Fischer, ex-presidente do banco central de Israel, à vice-presidência, é uma garantia do cuidado com que essa operação será realizada. Assim, a angústia da espera dos bárbaros pode acabar por ser mais dolorosa do que seus efeitos. De mais a mais, a retirada das muletas monetárias seria o sinal de que a economia americana começa a recuperar-se, o que é bom para o mundo.
O governo brasileiro vem mantendo uma relação ambígua diante dessa situação. O despejo de dólares pelo Fed foi objeto de muitas críticas tanto da presidente Dilma quanto do ministro da Fazenda, Guido Mantega. Ambos se queixaram de que provocou inundação de moeda estrangeira nos mercados, revalorização das moedas nacionais e perda de competitividade em dólares das empresas brasileiras. Mas agora temem o oposto, temem a excessiva desvalorização do real, que produz inflação e perda do poder aquisitivo do consumidor brasileiro. O impacto sobre a inflação é um dos principais fatores que mantêm o Banco Central "especialmente vigilante" em relação ao futuro dos preços.