GAZETA DO POVO - PR - 15/12
Que a Justiça em nosso país está caprichando em protagonismos midiáticos, não há dúvida. Um exemplo é a data escolhida pelo ministro Joaquim Barbosa para decretar a prisão dos mensaleiros mais ilustres: um feriado no fim de semana. Afinal, era a data da República e o gesto inédito de mandar altos dirigentes políticos do partido dominante para a cadeia tinha uma clara significação republicana. Outros episódios são totalmente desnecessários e banalizam as opiniões de pessoas que deveriam – por uma questão de recato profissional – se reservar para falar “nos autos”, sem correr o risco de más interpretações e manipulações de suas opiniões. Mas essas coisas são apenas gravetos lançados à fogueira das vaidades.
Ainda no caso do mensalão, os protestos indignados dos condenados e de seus partidários políticos soam como comparações espúrias e descabidas: os condenados, por exemplo, se declaram presos políticos em um país em pleno exercício das liberdades e garantias civis, tendo sido julgados por juízes majoritariamente indicados por governantes que lhes são simpáticos. Ao mesmo tempo, o deputado João Paulo Cunha, aquele mesmo que mandou a esposa a uma agência bancária em Brasília para arrecadar R$ 50 mil e mentiu declarando que ela havia ido ao banco pagar uma conta de celular, se compara a Nelson Mandela (que não deve ter se dado ao trabalho de se revirar no caixão pelo absurdo da coisa) como vítima de um Estado iníquo. Isso é parte do jus esperneandi e ponto final.
Sério, muito sério mesmo, é o episódio da prisão de dois delegados de polícia pelo orgão investigativo do Ministério Público do Paraná, o Gaeco, por motivos aparentemente injustificáveis. Digo “aparentemente” em benefício da dúvida, pois o Gaeco não se deu ao trabalho de declarar publicamente, com mínima exatidão, a razão de se chegar às 6 da manhã com grande aparato na casa de pessoas que não são criminosos procurados ou na iminência de fuga. A invocação do “segredo de Justiça” e a alegação vaga de que se tratava de “proteger as investigações em curso” tem um inevitável odor de vendetta corporativa.
Ora, as investigações a que se refere o Gaeco têm dois anos e – de novo aparentemente – não experimentaram nenhuma reviravolta dramática com a descoberta de fatos escabrosos nos últimos tempos. O que se sabe, pela imprensa, é que se trata ainda da invasão de uma casa no Parolin onde se praticava jogo ilegal de caça-níqueis. A não ser que a tavolagem tenha sido transformada em crime hediondo, ou que no Paraná bicheiros e afins tenham tomado o caminho dos seus colegas cariocas e se envolvido com crimes de sangue e com o tráfico de drogas, não há justificativa para tanta truculência. Quanto à exploração da prostituição no local, trata-se também de uma infração “datada”, como está na moda se dizer; a vetusta profissão resiste bravamente aqui e ali, mas, em vez de invadir aparatosamente casas de supostos envolvidos, por que não fazer algo mais simples e barato: transitar em algumas ruas do Centro, onde até outdoors são utilizados para promover as meninas da casa? Ou acessar a internet, onde a oferta de garotas e garotos de programa, sem disfarces, tem escala industrial?
Carlos Lacerda, com sua invencível inteligência demolidora, disse certa vez que a polícia do estado da Guanabara, que ele governava, não iria perseguir prostitutas e cafetões porque o sexo era o único setor da atividade humana em que o amadorismo iria derrotar o profissionalismo mais cedo ou mais tarde.
Em português claro e inequívoco: prender alguém, macular sua vida pessoal e profissional para sempre como sócio de proxenetas ou bicheiros, e refugiar-se atrás do segredo de Justiça para não explicar à sociedade por que e para que está cometendo esse ato extremo é pura e simplesmente adotar a estratégia do escracho, o desrespeito mais flagrante aos direitos civis de alguém, um ato de mera arrogância e truculência de que as instituições do Estado civilizado têm obrigação de preservar todos seus cidadãos a qualquer custo.