O GLOBO - 22/12
Os números comprovam que o governo Dilma escolheu o caminho errado. A prova dos nove está na diferença entre a inflação dos preços livres, 7,3%, e a dos preços que o governo controla, 0,9%. Estão sendo reprimidos preços que compõem um quarto do índice e por isso chega-se ao fim do ano, na média, com 5,7% no IPCA.
A última decisão de uma série interminável é de adiar para 2015 - leia-se depois das eleições - o começo da realidade nos preços da energia. O início seria em 2014, no chamado sistema de bandeiras tarifárias. Quando a distribuidora fosse obrigada a comprar energia das térmicas, pelo baixo nível de água nos reservatórios, isso seria passado para o consumidor em um adicional mensal. O aumento sumiria quando a oferta de energia mais barata fosse normalizada.
Em 2013, o Tesouro consumiu quase R$ 10 bilhões transferindo dinheiro para cobrir o rombo das distribuidoras. O ano foi difícil, choveu pouco onde deveria chover e foi necessário o uso das térmicas por vários meses. A presidente Dilma tinha anunciado como presente de seu governo a queda do preço da energia, por isso a realidade teve que ser escondida. Criou-se assim esse mecanismo de o Tesouro pagar para esconder a verdade sobre as tarifas. Em 2014, tudo voltaria ao normal com o tal sistema de bandeiras tarifárias . Mas o consumidor foi poupado de incômodo em ano eleitoral, e isso foi jogado para 2015. Ao custo calculado de R$ 11 bilhões para o Tesouro.
O Valor Pro, serviço de tempo real do jornal Valor , obteve um documento estarrecedor. O e-mail de despedida do diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica, Edvaldo Santana. Ele disse que as distribuidoras estão vivendo de mesadas do Tesouro . Diz que a Aneel participa de um vale-tudo , chegando a esconder notas técnicas. E o setor está retrocedendo aos anos 70 e 80.
As décadas citadas foram as que o governo exerceu o esporte radical de controlar o índice, em vez de controlar a inflação. A presidente Dilma disse no café da manhã com jornalistas que cobrem o Planalto que nós superamos problemas herdados do passado. Um deles era a inflação descontrolada . É verdade. Nós fizemos isso. Não o governo dela, ou o governo Lula. Isso foi conquistado por nós, brasileiros, há 20 anos no Plano Real. E isso custou às famílias muito suor e lágrima numa longa luta. Quanto mais controla o índice, mais o governo cria riscos de alta de inflação futura.
Dilma disse que rejeitou a fórmula de reajuste pedida pela Petrobras porque seria indexação. E disse que indexação é uma temeridade . É mesmo, mas ela aprovou uma medida de dupla indexação do salário mínimo (inflação mais PIB) e uma indexação em cascata de benefícios, pensões, aposentadorias, seguro-desemprego e abonos a essa fórmula. Fez para não se aborrecer com o debate sempre politicamente desgastante do aumento do mínimo.
Quanto à fórmula de reajuste dos combustíveis, como a Petrobras não a mostrou, sabe-se dela pouco. Mas o que o governo tem feito com a gasolina e diesel é repressão de preços. Tanto que usa fórmulas de reajuste que acompanham preços internacionais para vários derivados, como querosene de aviação, óleo combustível, nafta. Só os preços mais visíveis para o consumidor - e com peso direto no índice - é que são controlados pelo governo.
Na política de segurar o índice, a Fazenda chegou a propor o adiamento de medidas de segurança nos carros populares. A ideia, por absurda, foi abandonada.
A inflação tem que ser controlada com os remédios comprovados: autonomia do Banco Central para cumprir seu mandato de perseguir a meta e controle de gastos públicos. Já para segurar só o índice valem essas medidas que o governo usa: canetadas, adiamentos de reajuste, dissimulação, postergação e congelamentos. O Brasil já foi laboratório de controladores de índice nos anos 1970 e 1980 e sabe que a verdade sempre aparece. O esforço cotidiano do governo é para que ela só dê as caras depois das eleições.