FOLHA DE SP - 15/12
Em tramitação no Congresso, novo Código de Processo Civil prioriza celeridade; Câmara, porém, descarta um dos dispositivos mais relevantes
Arrasta-se há quase três anos, na Câmara dos Deputados, a tramitação da proposta que cria um novo Código de Processo Civil (CPC) para o país. Não é pouco o que está em jogo. Basta dizer que, excetuada a esfera penal, os demais ritos processuais são regulados por esse conjunto de normas.
Da petição inicial à sentença, passando por recursos e prazos, é nesse código que advogados, promotores e juízes encontram as regras para o andamento de processos em matérias de direito civil, comercial, financeiro, social, trabalhista e tributário, entre outros.
Instituído em plena ditadura militar (janeiro de 1973), o atual CPC tornou-se defasado por variadas razões, que vão da promulgação de uma Constituição democrática, em 1988, ao surgimento de tecnologias capazes de aposentar o papel.
Dada sua importância nos meandros judiciais, é natural, ademais, que especialistas e legisladores olhem para o CPC quando procuram soluções para a exasperante morosidade da Justiça, afogada em quase 100 milhões de ações.
O número excessivo de recursos e mecanismos protelatórios à disposição da parte derrotada é apontado, com razão, como um dos elementos que mais contribuem para abarrotar os tribunais e fundamentar o conhecido adágio "ganhou, mas não levou".
É de estranhar, portanto, que a Câmara tenha suprimido um dos dispositivos que, na proposta elaborada por uma comissão de juristas e aprovada pelo Senado em 2010, prometiam aumentar a efetividade do Poder Judiciário --a saber, o fim do chamado efeito suspensivo das apelações.
Hoje, a sentença do juiz não produz efeitos imediatos na maioria dos casos. Como regra, basta que a parte vencida recorra ao Tribunal de Justiça (segunda instância) para a decisão ficar suspensa até que desembargadores se manifestem a respeito da disputa.
O modelo prioriza, quase sem restrições, a segurança jurídica em detrimento da celeridade processual. Protege o cidadão contra decisões monocráticas exorbitantes e assegura o duplo exame antes de ser proferida, por um órgão colegiado, uma decisão efetiva.
Verdade que sentenças podem acarretar consequências de monta. A existência do efeito suspensivo automático, contudo, traz graves distorções. A primeira e mais evidente é o estímulo à litigância. Mesmo sem razão, qualquer advogado há de apelar --na pior das hipóteses, conseguirá adiar, por anos a fio, o cumprimento da decisão.
A perversidade da situação é evidente. Não é só a parte vencedora que sai prejudicada, ao não ver sua justa demanda atendida; todo o sistema judicial, todos os cidadãos sentem os efeitos deletérios dessa sobrecarga de processos.
É difícil encontrar elementos empíricos que apoiem a transformação dos juízes (primeira instância) em meros pareceristas, como se suas sentenças, no mais das vezes, precisassem ser modificadas. Dá-se precisamente o contrário.
Estudos conduzidos a partir de dados dos Tribunais de Justiça de São Paulo e do Rio de Janeiro indicam que cerca de 60% das decisões dos juízes são mantidas; em apenas 20% dos casos há reforma integral da sentença; nos outros 20%, as mudanças são parciais.
Se a maioria da população seria beneficiada pelo fim desse efeito suspensivo automático, nem por isso a minoria deve ficar desguarnecida. É preciso que a legislação estipule recursos de emergência a fim de evitar danos irreparáveis decorrentes de sentença disparatada.
Outras iniciativas do novo Código de Processo Civil reforçam que a celeridade e a racionalização do sistema são essenciais. Estabelece-se, por exemplo, a ordem cronológica para julgamentos, evitando o acúmulo de causas antigas e o arbítrio de magistrados ao escolher qual processo analisar.
Recursos usados apenas para adiar o cumprimento das decisões serão multados; o uso do meio eletrônico é estimulado; prevê-se uma fase inicial de tentativa de conciliação, num esforço para resolver conflitos sem envolver a via judicial.
Além disso, extingue-se o inexplicável exame de admissibilidade, pelo qual a instância inferior precisa analisar se estão presentes os requisitos necessários para o caso ser examinado pela instância superior --o que apenas retarda o andamento processual.
São estimuladas, ainda, decisões dos tribunais que possam valer para a resolução de uma série de demandas individuais similares, como no caso de questões de direito do consumidor; o peso da jurisprudência também é ampliado.
Todas essas iniciativas sairão enfraquecidas se o efeito suspensivo automático for mantido. De todo modo, a Câmara dos Deputados ainda precisa terminar de votar alguns pontos do projeto antes de reenviá-lo ao Senado. Que ocorra o quanto antes. Não faz sentido que o novo Código de Processo Civil seja vítima de morosidade semelhante à que pretende combater.
Em tramitação no Congresso, novo Código de Processo Civil prioriza celeridade; Câmara, porém, descarta um dos dispositivos mais relevantes
Arrasta-se há quase três anos, na Câmara dos Deputados, a tramitação da proposta que cria um novo Código de Processo Civil (CPC) para o país. Não é pouco o que está em jogo. Basta dizer que, excetuada a esfera penal, os demais ritos processuais são regulados por esse conjunto de normas.
Da petição inicial à sentença, passando por recursos e prazos, é nesse código que advogados, promotores e juízes encontram as regras para o andamento de processos em matérias de direito civil, comercial, financeiro, social, trabalhista e tributário, entre outros.
Instituído em plena ditadura militar (janeiro de 1973), o atual CPC tornou-se defasado por variadas razões, que vão da promulgação de uma Constituição democrática, em 1988, ao surgimento de tecnologias capazes de aposentar o papel.
Dada sua importância nos meandros judiciais, é natural, ademais, que especialistas e legisladores olhem para o CPC quando procuram soluções para a exasperante morosidade da Justiça, afogada em quase 100 milhões de ações.
O número excessivo de recursos e mecanismos protelatórios à disposição da parte derrotada é apontado, com razão, como um dos elementos que mais contribuem para abarrotar os tribunais e fundamentar o conhecido adágio "ganhou, mas não levou".
É de estranhar, portanto, que a Câmara tenha suprimido um dos dispositivos que, na proposta elaborada por uma comissão de juristas e aprovada pelo Senado em 2010, prometiam aumentar a efetividade do Poder Judiciário --a saber, o fim do chamado efeito suspensivo das apelações.
Hoje, a sentença do juiz não produz efeitos imediatos na maioria dos casos. Como regra, basta que a parte vencida recorra ao Tribunal de Justiça (segunda instância) para a decisão ficar suspensa até que desembargadores se manifestem a respeito da disputa.
O modelo prioriza, quase sem restrições, a segurança jurídica em detrimento da celeridade processual. Protege o cidadão contra decisões monocráticas exorbitantes e assegura o duplo exame antes de ser proferida, por um órgão colegiado, uma decisão efetiva.
Verdade que sentenças podem acarretar consequências de monta. A existência do efeito suspensivo automático, contudo, traz graves distorções. A primeira e mais evidente é o estímulo à litigância. Mesmo sem razão, qualquer advogado há de apelar --na pior das hipóteses, conseguirá adiar, por anos a fio, o cumprimento da decisão.
A perversidade da situação é evidente. Não é só a parte vencedora que sai prejudicada, ao não ver sua justa demanda atendida; todo o sistema judicial, todos os cidadãos sentem os efeitos deletérios dessa sobrecarga de processos.
É difícil encontrar elementos empíricos que apoiem a transformação dos juízes (primeira instância) em meros pareceristas, como se suas sentenças, no mais das vezes, precisassem ser modificadas. Dá-se precisamente o contrário.
Estudos conduzidos a partir de dados dos Tribunais de Justiça de São Paulo e do Rio de Janeiro indicam que cerca de 60% das decisões dos juízes são mantidas; em apenas 20% dos casos há reforma integral da sentença; nos outros 20%, as mudanças são parciais.
Se a maioria da população seria beneficiada pelo fim desse efeito suspensivo automático, nem por isso a minoria deve ficar desguarnecida. É preciso que a legislação estipule recursos de emergência a fim de evitar danos irreparáveis decorrentes de sentença disparatada.
Outras iniciativas do novo Código de Processo Civil reforçam que a celeridade e a racionalização do sistema são essenciais. Estabelece-se, por exemplo, a ordem cronológica para julgamentos, evitando o acúmulo de causas antigas e o arbítrio de magistrados ao escolher qual processo analisar.
Recursos usados apenas para adiar o cumprimento das decisões serão multados; o uso do meio eletrônico é estimulado; prevê-se uma fase inicial de tentativa de conciliação, num esforço para resolver conflitos sem envolver a via judicial.
Além disso, extingue-se o inexplicável exame de admissibilidade, pelo qual a instância inferior precisa analisar se estão presentes os requisitos necessários para o caso ser examinado pela instância superior --o que apenas retarda o andamento processual.
São estimuladas, ainda, decisões dos tribunais que possam valer para a resolução de uma série de demandas individuais similares, como no caso de questões de direito do consumidor; o peso da jurisprudência também é ampliado.
Todas essas iniciativas sairão enfraquecidas se o efeito suspensivo automático for mantido. De todo modo, a Câmara dos Deputados ainda precisa terminar de votar alguns pontos do projeto antes de reenviá-lo ao Senado. Que ocorra o quanto antes. Não faz sentido que o novo Código de Processo Civil seja vítima de morosidade semelhante à que pretende combater.