Todos os anos, as tarifas das passagens aéreas disparam neste período de férias escolares e festas de fim de ano. Nem mesmo aqueles que juntam pontos nos programas de fidelidade, na esperança de trocá-los por bilhetes nas companhias aéreas, conseguem driblar a manobra: ora descobrem que as milhas acumuladas são insuficientes para o trecho desejado, ora que não há mais assentos disponíveis nos voos pretendidos.
As decepções vão se acumulando. Um mesmo trecho pode exigir até cinco vezes mais pontos em diferentes épocas do ano. O problema não é propriamente o aumento das tarifas das passagens aéreas em pontos de milhagens, mas a falta de transparência sobre os critérios utilizados pelas companhias aéreas. As norte-americanas American Airlines e United Airlines, por exemplo, pioneiras na adoção de programas de fidelidade, põem à disposição em seus sites tabelas com a pontuação necessária para a emissão de tíquetes, de acordo com a época do ano (alta e baixa temporadas).
Nenhuma das quatro principais companhias aéreas brasileiras adota procedimento semelhante. Seus dirigentes argumentam que a quantidade de pontos necessária depende não apenas do trecho e do dia da viagem, mas principalmente da antecedência com que a troca é realizada. Quanto mais próxima da data desejada e menos assentos livres restarem na aeronave, mais milhagem pode ser cobrada para a troca.
Marco Antônio Araújo Júnior, presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP), adverte que "os programas de fidelidade constituem relação de serviço e os clientes são lesados quando há modificação unilateral dos pontos necessários para troca por passagens. O correto seria estabelecer um padrão com relação ao período do ano e a antecedência da troca".
O advogado Flávio Siqueira Júnior, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), observa que as empresas podem mudar as regras dos sistemas de milhagem a qualquer tempo, desde que o cliente seja informado de forma "clara, adequada e ostensiva", conforme reza o Código de Defesa do Consumidor (CDC). "O que ocorre é que o cliente tem direito à disponibilidade dos pontos e das passagens, mas não consegue usufruir do benefício", diz.
Siqueira Júnior acrescenta que as companhias aéreas precisam informar com destaque quaisquer cláusulas que restrinjam os direitos dos consumidores, como as que se referem à limitação de vagas e assentos disponíveis para milhas ou à validade dos pontos adquiridos.
Grande parte das companhias aéreas nos Estados Unidos, por exemplo, estabelece prazo de validade de 18 meses para os pontos adquiridos nos sistemas de fidelidade, mas os créditos são renovados sempre que há atividade no programa, como compra de passagem ou milhas extras. No Brasil, os pontos da Smiles, sistema da Gol, expiram em 36 meses e na Multiplus, vinculada à TAM, em 24 meses, sem possibilidade de renovação.
Como foi comentado nesta Coluna em 22 de setembro, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), instituição reguladora do setor, lava as mãos, sob a alegação de que os programas de fidelidade configuram "pacto acessório" entre companhias aéreas e clientes. A opção que resta ao cidadão é recorrer aos órgãos de defesa do consumidor. Entre janeiro e novembro deste ano, o Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec), que integra Procons estaduais e municipais, registrou 8,4 mil reclamações relativas a companhias aéreas.
Enquanto isso, as detentoras de programas de fidelidade lucram sobre os pontos não resgatados - seja porque o cliente nunca consegue acumular milhas suficientes para a viagem desejada, seja porque, de tanto esperar pela oportunidade, os créditos expiram. No 3º trimestre de 2013, Multiplus e Smiles registraram, respectivamente, 19,1% e 15,2% de taxa breakage, quando os pontos não são resgatados