Entrevista:O Estado inteligente

domingo, dezembro 22, 2013

O ano em que se espera pouco - ILAN GOLDFAJN

O ESTADO DE S. PAULO - 22/12


Pouco se espera de 2014. Isso não é tão ruim. A vantagem é que as notícias positivas têm capacidade de surpreender mais que as negativas. Em parte, o desânimo deve-se ao ano de 2013, que não foi brilhante. O crescimento no Brasil deve ficar um pouco acima de 2%, e a inflação um pouco abaixo de 6%. No ano que vem há uma combinação incomum de questões globais e do Brasil que merece nossa atenção. Pode ser o ano da recuperação mundial, após vários de crescimento baixo. Já sabemos que o Fed (o banco central americano) iniciará a remoção dos estímulos excepcionais no início de 2014. No Brasil, além do desafio de baixar a inflação, saberemos se os leilões de concessões continuarão atraindo investidores e se conseguirão fazer deslanchar o investimento no País, permitindo um crescimento maior. Também observaremos o desempenho fiscal que indicará se haverá rebaixamento da nota do Brasil (pelas agências de classificação de risco) e se o real terá mais um ano de depreciação.

Imagina-se que 2014 será o ano da recuperação do crescimento no mundo. Já estava ganhando peso a ideia de que o mundo não consegue sair da estagnação. Os economistas nos EUA falavam de "japonização" de sua economia, num processo de estagnação secular. Que o crescimento anterior era fruto de bolhas e atualmente a economia encontra dificuldades estruturais para crescer, entre as quais o limite de zero para a queda de juros. A recuperação da economia americana (e global) no ano que vem trará a tranquilidade da volta do pleno emprego, mesmo que o crescimento seja menor que no período de boom excepcional dos anos 2000.

A recuperação americana, confirmando-se, permitirá a continuidade da normalização da política monetária pelo Fed, que já se iniciou no fim deste ano, mais cedo que o esperado. Essa normalização consiste em remover os estímulos excepcionais introduzidos para lidar com as consequências da crise financeira de 2007/2008. O Fed anunciou que vai injetar "apenas" US$ 75 bilhões por mês no próximo ano. Até dezembro, o Fed injetava US$ 85 bilhões mensalmente na economia, pela compra de diferentes títulos no mercado, o que tende a exercer pressão para manter baixas as taxas de juros mais longos. À medida que a crise fica distante, o normal é injetar menos recursos na economia, evitando a formação de bolhas (subidas artificiais de preços de ativos de risco).

Mas injetar menos recursos não significa que os juros nos EUA devam subir. O Fed tem indicado que deve mantê-los baixos por um longo período para evitar abortar a recuperação ainda frágil. Caso a economia se recupere forte, a expectativa será de continuidade da normalização da política monetária e de elevação dos juros nos EUA e no mundo.

A normalização da política monetária americana tem levado a um fortalecimento do dólar. A elevação dos juros dos títulos provoca a volta dos fluxos de capitais para o país e a compra de dólar, o que eleva sua cotação. Parte da depreciação do real reflete a força do dólar no mundo. Mas parte reflete fatores locais como a situação fiscal, a de balanço de pagamentos e a possibilidade de rebaixamento (downgrade) do grau de classificação do Brasil pelas agências de risco.

A ameaça de rebaixamento é consequência da queda continuada do superávit primário, da expansão (para) fiscal via capitalização dos bancos públicos e, de forma geral, de um crescimento baixo. O superávit primário tem declinado gradativamente, atingindo um valor abaixo de 2% em 2013 (estimamos 1,8%), e em direção a menos de 1,5% no ano que vem. Por um lado, os Estados e municípios devem gastar as suas economias em ano eleitoral; por outro, o governo federal tem de lidar com o impacto sobre a receita das desonerações efetuadas nos últimos anos (para estimular a economia), enquanto os gastos públicos continuam crescendo forte.

Na ausência de uma mudança de direção, o downgrade de uma agência pode ocorrer sem a perda do grau de investimento, mas o suficiente para assustar antecipadamente aqueles investidores que dependem do grau de investimento para aplicar no Brasil. A política fiscal precisa reagir, os estímulos via bancos públicos já parecem caminhar nessa direção. Mas um choque, como a aceitação das indenizações bilionárias dos planos econômicos, pode levar a um ou mais rebaixamentos.

Quanto à política monetária, o Banco Central sinalizou no seu comunicado que o ciclo de alta da Selic não será muito mais prolongado. Mas, se as questões fiscal e inflacionária não forem bem encaminhadas no ano que vem, pode haver ainda pressão altista sobre as taxas de juros de mercado no País, que dependem do risco Brasil.

À medida que a normalização da política monetária no mundo segue seu curso, o custo de capital deve aumentar para as empresas e trazer desafios para o investimento no Brasil. Nesse sentido, o programa de concessões de infraestrutura é fundamental. Como ocorre com a maioria dos programas, será menor que o planejado inicialmente, mas importante para atacar um dos principais gargalos da economia brasileira. O esforço em 2014 terá de ser seguido nos próximos anos.

A inflação também promete gerar debate. O objetivo do governo é levá-la a um processo de (lento) declínio em direção à meta, evitando o risco de um choque inflacionário desencadear uma espiral inflacionária para o outro lado. Mas há a necessidade de reajustar vários preços administrados que estão defasados (como gasolina, diesel, energia elétrica) num ambiente em que os preços livres ainda sofrem de uma inflação elevada. Em 2013 a inflação dos preços livres ainda está em torno de 7% a 8%, enquanto a dos preços administrados caiu para menos de 1%, mas precisando de reajustes.

O Brasil precisa se reinventar. Crescer com mais investimento, produtividade e eficiência. Mirar progressos na educação como norte do futuro. Esperamos que 2014 seja um passo nessa direção. Mas, por enquanto, ainda se espera muito pouco. Seria bom que nos surpreendesse positivamente.

Arquivo do blog