RIO DE JANEIRO - No Rio, em 1960, Jean-Paul Sartre foi levado a uma feijoada no apartamento do jornalista José Guilherme Mendes. A folhas tantas, resolveu ir à cozinha e inspecionar o famoso prato brasileiro, que não conhecia. Pediu licença e destampou a panela. Contemplou aquela sarabanda de carnes indefinidas borbulhando no feijão preto e exclamou: "Mais... C'est la merde!".
É por essas e outras que o prestígio de Sartre não para de cair, e o de seu rival e desafeto Albert Camus, de subir. Camus era "pied-noir", habituado às agrestias da Argélia --deve ter comido coisa até pior na Casbah, a megafavela de Argel. Já Sartre era esnobe, só comia carne branca e jovem, e não se passava nem pela Simone de Beauvoir. Bem, pior para Sartre. Com ou sem a sua opinião, a feijoada está prestes a se tornar patrimônio cultural pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
O espantoso é que ainda não fosse. Com tudo que já fez por nós nos últimos 200 anos, por que nos esquecemos de elegê-la fundamental na nossa cultura? Será porque, ao contrário da capoeira, do jongo e da Folia de Reis --todos entronizados--, ela não corra risco de extinção e inunde o país a cada sábado e quarta-feira? Pois, até por isso, a feijoada deveria ser louvada --ela não precisa de subsídio.
Quanto a mim, toda semana, em casa ou na rua, debruço-me sobre o grande prato nacional. Principalmente --que minha médica não me leia-- se, em vez dos rotineiros paio, linguiça e carne-seca, ele vier enriquecido com costela, pé, orelha, focinho ou bochecha.
Sou íntimo de algumas das maiores feijoadas cariocas: a de Leila, na quadra do Salgueiro; a de Tia Surica, na Portela; e a de Jorge Ferraz, no Renascença. Mas, neste verão, pretendo radicalizar: a qualquer hora dessas, vou encarar uma feijoada vegetariana.