O GLOBO - 11/12
Vai explicar como aqui é possível realizar jogos de futebol decisivos sem a presença da polícia. E que se pode entrar no estádio com uma barra de ferro com prego na ponta
No momento em que corre o mundo o exemplo de Nelson Mandela, revelando até onde pode ir a grandeza humana — a tolerância, a capacidade de perdoar, o espírito pacifista —, é justamente nesse momento que o Brasil resolveu exportar o oposto do que o líder sul-africano pregou. As imagens do que se passou aqui, domingo, num estádio de futebol, constituem uma pequena mostra do que de pior é capaz o gênero humano: a violência selvagem, o fanatismo, a barbárie, a covardia. A imprensa estrangeira, com espanto, não escondeu a preocupação com o que pode acontecer daqui a seis meses. Só faltou repetir o bordão com que há algum tempo expressamos nossa incerteza e pessimismo: “Já imaginou na Copa!” Se nada for feito, o espetáculo que transformou a arquibancada da Arena Joinville num octógono de MMA, com vários lutadores se agredindo durante mais de uma hora, vai se repetir.
Pena que aquele show de fúria assassina tivesse acontecido numa cidade que chama a atenção pela qualidade de vida e pela civilidade de seu povo, ostentando um alto IDH — entre 2000 e 2010, o indicador que mais cresceu foi o da educação. Vai explicar como aqui é possível realizar jogos de futebol decisivos sem a presença da polícia. E que se pode entrar no estádio com uma barra de ferro com prego na ponta, como fez um dos trogloditas que aparece espancando alguém caído no chão desacordado, sem falar em outro absurdo, o de que apenas três dos envolvidos nos vários conflitos acabaram detidos.
De quem a culpa? A PM alega que é do Ministério Público, que teria proibido a presença de policiais na Arena. Já o promotor Francisco de Paula Fernandes Neto disse que houve “erro de interpretação” e que a responsabilidade é de quem organiza, portanto, do Atlético-PR, que, por sua vez, acusou a empresa de segurança contratada, a qual disse ter advertido o clube para a insuficiência do número solicitado de 20 homens. Ou seja, um empurra-empurra em que cada um teve a sua parte.
Pela repercussão que ganhou, graças às contundentes imagens, o vale-tudo de Joinville mobilizou o governo que, da presidente ao ministro do Esporte, passou a exigir um basta para essa antiga praga do futebol. Legislação prevendo punição não falta, falta cumpri-la. Por exemplo: um dos três vascaínos presos agora é o mesmo que, acusado em 2007 da morte de um torcedor do Flamengo, ficou três meses na cadeia, mas escapou da condenação. Como afirma o comandante do Grupamento Especial de Policiamento de Estádios do Rio, João Fiorentini, “o clube é que dá o ingresso para o torcedor violento ir aos estádios”. O que os cartolas têm a dizer sobre a repetição dessas cenas de barbárie e a reincidência dos que as praticam?