Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, fevereiro 07, 2012

O beijo da morte - Jarbas Passarinho‏


O Estado de Minas

Em língua inglesa, é hábito denominar Kiss of Dead os governos dos partidos democráticos vitoriosos em eleição majoritária que chegam ao poder sem maioria no Legislativo. Assim o chamam porque, embora vitoriosos, ficam impossibilitados de aprovar emendas constitucionais, que exigem três quintos de votos para aprovação, ou metade mais um para maiorias simples que dependem de alianças. Getúlio Vargas, quando não venceu o Beijo da Morte apelou entre 1937 e 1945, quando deposto, para um regime de exceção, chamado por um constitucionalista famoso, Karl Loewenstein, de “neopresidencialismo”, em que um dos detentores do poder está acima dos demais, e reservar para “ditadura”, um órgão estatal com exclusão de todos os demais, que monopoliza o poder.

Lula, eleito com espetacular votação, não obteve maioria para a bancada do PT na Câmara e ficou, pois, sujeito à limitação do Beijo da Morte, de que se livrou pela aliança clandestina com parlamentares de partidos outros. Assim, obteve aprovação tranquila, mesmo de emenda constitucional como a indesejada reforma da Previdência Social. O milagre só foi explicado quando estourou o escândalo que revelou a origem dos 40 votos necessários à aprovação da reforma da Constituição, tentada antes por antecessores sem sucesso. Diante do escândalo, a popularidade de Lula desabou de 80% para 20%. Por várias vezes declarou enfaticamente que desconhecia a manobra gerada no seu próprio gabinete, tanto que se disse traído sem dizer por quem, mas penosamente aceitou a demissão de seu chefe da Casa Civil, encarregado da conduta política do governo e disso acusado pelo presidente do PTB, delator da manobra. 

Depois da apuração da mancha moral apurada, o honrado procurador geral da República, Antônio Souza, nomeado pelo próprio Lula, os denunciou ao STF em 2007 como associados a uma organização criminosa. A denúncia foi acolhida e o processo, afinal, está pronto para julgamento. O voto do relator já proferido, resta a última possibilidade vergonhosa de vitória dos interessados na prescrição do julgamento. Trata-se do voto do ministro Lewandowski, revisor que anunciou suspeitosamente só proferi-lo em 2013, quando já estará o processo prescrito definitivamente e os réus absolvidos. Agradou sem dúvida ao ex-presidente Lula, que declarara publicamente dedicar-se a tudo fazer para salvar os denunciados da “farsa do mensalão”.

A presidente Dilma também assumiu o governo sob condições do Kill of Dead, mas não teve dificuldade em governar. Em vez de usar um tipo de mensalão, conseguiu maioria no Legislativo distribuindo o poder com os partidos teoricamente de oposição, mas submetidos a si mesma os nomes de indicados ao butim ministerial à sua preferência pessoal. Norma que lembra o papel do SNI oferecendo aos presidentes militares garantia de honorabilidade de indicados a nomeações no período do neopresidencialismo militar. Missão reforçada pelo AI-5 na ditadura, revogada em outubro de 1938, por emenda constitucional. Desde a sua formação, tem estado o governo atual sob a influência da eminência parda do ex-presidente, de que poucas vezes, penosamente, se libertou. Assim tem se mantido, com o preço da demissão de nove ministros envolvidos, exceto dois, em desonestidades, apesar de avaliações sem parecer desfavorável para integrar. 

A conclusão é que governar sem maioria legislativa por meio de negociar votos para obter a maioria eventual é de segurança precária. A presidente Dilma não parece empenhada em qualquer projeto irregular de remoção do beijo da morte, mas de neutralizá-lo por uma base governista que lhe garanta maioria no Congresso. Não havendo a obrigação de seguir uma norma como a do centralismo democrático dos partidos comunistas , tudo o que a presidente pode cobrar para aceitar cada nome indicado resume-se num currículo em que não conste ser claramente antiesquerdista (exceto se convertido) e nenhuma suspeita de desonestidade. Em tão pouco tempo, porém, a presidente já pôde julgar os homens que escolheu para satisfazer seus partidos, segundo o pensamento do santo católico referente às grandezas e misérias da natureza humana. 

Bom será, para os bem-vindos de outras plagas do pensamento, seguir a vocação da defesa de uma política de respeito aos direitos humanos, no combate aos ditadores, com o cuidado especial, se estiver em visita oficial a Cuba, de excluir do julgamento do meio século da tirania fidelista que chega a defender: “Os primeiros que lhe jogam pedras têm telhado de vidro”.

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