Entrevista:O Estado inteligente

sábado, fevereiro 11, 2012

Contas em atraso - MIRIAM LEITÃO


O GLOBO - 11/02/12



O sistema financeiro brasileiro carrega R$ 154 bilhões em crédito inadimplente. No ano passado, o estoque de dívidas com atraso acima de 60 dias cresceu 23%. Os números estão atraindo investidores estrangeiros especializados no segmento de crédito podre. A inadimplência no financiamento de veículos cresceu 133% em 2011, ritmo cinco vezes mais rápido que o crédito concedido ao setor.

Não estamos à beira de uma crise como a que outros países viveram, mas temos que olhar com mais respeito os números. Se o mercado de crédito no Brasil está crescendo muito rápido, também é veloz o ritmo do volume de inadimplência. Preocupados com o efeito desse crédito ruim sobre seus balanços, os bancos revendem os ativos a preços baixos para investidores especializados em cobranças de longo prazo.

- É muito caro para um banco tentar recuperar um crédito vencido há mais de 180 dias, por exemplo. Esse tipo de cobrança foge da sua estrutura. Muitos preferem vender essas carteiras a outros investidores, especializados nisso. Apesar do prejuízo, os bancos melhoram o perfil de suas carteiras e recuperam parte do dinheiro emprestado - explicou o economista Paulo Bittencourt, da Apogeo Investimentos.

A KPMG registrou em relatório que só o Santander vendeu R$ 16 bilhões em créditos podres. Aceitou levar um prejuízo de pelo menos 85%. Ou seja, se tinha, por exemplo, uma carteira que valia R$ 100, o banco revendeu a outros investidores por R$ 15. Pela lógica dos bancos, é melhor recuperar R$ 15 e tentar alguma rentabilidade sobre esse valor do que correr o risco de perder os R$ 100 e ainda ter que dizer ao mercado que carrega esse mico. Já para o investidor que compra, as chances de lucros grandes são altas, caso ele consiga fazer com que o devedor pague.

A provisão que os bancos têm que fazer para carteiras de crédito com a mais baixa qualidade subiu 22% no ano passado, de R$ 51 bilhões para R$ 64 bi. Esse é o volume total de atrasos maiores que 180 dias, que são classificados com a letra H pelo Banco Central. Quando o crédito entra nessa classificação, o banco é obrigado a fazer uma reserva de 100% do valor concedido. A provisão feita pelos bancos estrangeiros aumentou 35%.

A KPMG, que presta consultoria para bancos e investidores que querem atuar nesse mercado, estima que, além dos R$ 154 bilhões de crédito em atraso no país, há outros R$ 150 bi contabilizados como perdas pelos bancos, porque ultrapassaram o período de 365 dias inadimplentes. Segundo Salvatore Milanese, líder da área de reestruturação da KPMG, o crescimento do crédito no ritmo de 20% ao ano está chamando atenção de investidores estrangeiros especializados em inadimplência.

- Os investidores sabem que tudo o que cresce a uma taxa de 20% ao ano uma hora terá que sofrer correção, porque nada pode subir indefinidamente até o céu. A taxa é insustentável, e quem olha para os exemplos históricos percebe isso. Quando comecei nesse mercado, em 2001, o percentual de crédito H era 1%. Hoje, subiu para 3%. Existe uma enorme correlação entre o crescimento forte do crédito e a alta do crédito inadimplente - afirmou.

O que preocupa nesses números é que 42% do crédito em atraso no Brasil são de consumidores. Ou seja, muitos brasileiros que estão sendo estimulados a fazer financiamentos não estão conseguindo pagar as contas.

O economista Felipe Queiroz, da Austin Rating, aposta que os atrasos não devem crescer tanto este ano porque a perspectiva é de crescimento da economia. Mas alerta que uma mudança brusca na Europa, que afete os níveis de emprego no país, tornariam o quadro pior:

- A expectativa é que a inadimplência não aumente. Temos a economia com projeção de crescimento, aumento do salário mínimo, redução da Selic. Tudo vai facilitar os pagamentos. O que pode dar errado é um agravamento da crise na Europa. Uma recessão profunda por lá que tenha reflexo nas nossas exportações e na oferta de crédito.

Os economistas costumam olhar só o crédito/PIB e dizer que, na comparação com outros países, os nossos 49% são baixos. Mas aqui o dinheiro é caro demais. Um vento contra pode complicar. Por isso, é hora de olhar esses números com lupa.

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