Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, fevereiro 07, 2012

Café especial Xico Graziano



O Estado de S. Paulo - 07/02/2012
 

Você sabe quanto custa uma saca de café? Provavelmente, não. No mercado atual, que está aquecido, paga-se ao redor de R$ 500 por uma saca (60 kg) de grãos secos. Mas o café da Fazenda Rainha, vendido no leilão eletrônico da Bolsa de Nova York, valeu R$ 5.400, dez vezes acima do preço normal. Mágica? Não, qualidade.
Acontece que as 22 sacas oriundas dos cafezais da Fazenda Rainha, situada no município de São Sebastião da Grama, ali dentro da Mogiana Paulista, venceram o 12.º concurso chamado Cup of Excellence, promovido pela Associação Brasileira de Cafés Especiais. Outros produtores selecionados compuseram 25 lotes de excelente bebida, todos eles arrematados por elevadíssimos preços no mesmo leilão (18/1).
Um consórcio asiático comprou o lote campeão, entre vários estrangeiros que disputaram no tapa a primazia de comercializar um café inesquecível. Reconhecer a qualidade e, melhor ainda, pagar um bom diferencial por ela estimulam os cafeicultores a investir em boas práticas agrícolas. Custa mais, porém vale a pena.
Não existe segredo, mas, sim, trabalho apurado. Um cafezal somente gera produto de qualidade especial se for muito bem cuidado, na adubação das plantas, no controle de pragas e doenças, na colheita do fruto maduro e, por fim, no trato dos grãos durante o processo pós-colheita, seca e beneficiamento. Esse zelo agronômico, porém, ainda será insuficiente se as condições ambientais não forem propícias.
Café, para dar excelente bebida, precisa estar plantado em terrenos com elevada altitude, acima de 800 metros, no mínimo. Nas encostas da Serra da Mantiqueira, por exemplo, seja do lado paulista ou mineiro, os cafezais encontram excelente clima, em que as noites frias são essenciais. Durante a colheita, normalmente entre julho e outubro, o tempo precisa estar seco, sem chuvas. Senão o grão de café pode "arder", perdendo sabor.
Comandada por uma mulher, Ana Cecília, a Fazenda Rainha apresenta 280 hectares de cafezais localizados até a altitude de 1.300 metros. Tem um sistema de gestão ambiental de última linha, controlando minuciosamente cada gleba de produção, anotando tudo - da tecnologia, do trabalho humano ou dos fenômenos naturais - como se fosse um diário feminino. Esmero no campo.
Nessas condições, seu café adquire características que os degustadores classificam como "bebida mole, adocicada, acidez equilibrada, aromas intensos". Parece coisa de enólogo. Origem certificada, nome próprio, assim os produtores e distribuidores começam a customizar o apreciador de café, ganhando clientela sofisticada. Caso do Café Orfeu, controlador da Fazenda Rainha.
O trabalho de marketing baseado na qualidade da bebida começou a mudar o mercado de café no Brasil a partir de 1989. Nessa época, 67% dos brasileiros pesquisados pela Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic) acreditavam que café bom era exportado, restando aqui dentro a porcaria. A Abic criou um selo de qualidade e resolveu enfrentar as costumeiras fraudes na composição do café torrado e moído distribuído no País. Havia de tudo: grãos de café estragados, misturados com casca ou, pior, acrescidos de palha de arroz. Até areia colocavam no pó de café para aumentar o peso. Sempre muito adoçada, a bebida tradicional escondia tais mazelas.
O "selo de pureza" da Abic pegou. E os consumidores começaram a ficar mais espertos com a qualidade do café que adquiriam, conferindo no rótulo da embalagem a etiqueta de garantia. Nessa mesma época, as modernas máquinas de café expresso começaram a vencer o velho coador nos botecos da cidade. A disputa do expresso na xícara contra o cafezinho no copo contou com a ajuda da medicina, que progressivamente desmistificava a fama de que beber café fazia mal à saúde, dava gastrite. Ao contrário, pesquisadores médicos passaram a recomendar a bebida no combate ao estresse e até mesmo à depressão humana, graças ao efeito estimulador não apenas da cafeína, mas também dos polifenóis que contém.
O somatório de fatores positivos resultou, globalmente, no estímulo ao consumo de café, cuja qualidade melhorou, e muito. O mercado, demandando mais, puxou os preços, estimulando os produtores rurais com boa remuneração. Criou-se um círculo virtuoso que agrada a todos. Países que nunca participaram do mundo cafeeiro despertaram para a oportunidade surgida. Assim, o longínquo Vietnã tornou-se o segundo maior produtor mundial de café. Quem diria!
Robusta é chamada a espécie de café plantada pelos vietnamitas. Poucos sabem, mas existem duas espécies básicas: o Coffea arabica e o Coffea canephora - este conhecido como café robusta. A primeira, mais delicada, originou-se na Etiópia; a segunda, mais rústica, surgiu na costa atlântica da África. O arábica sempre predominou, pois sua bebida é mais expressiva, com paladar marcante. Já o robusta, embora apresente teor mais elevado de cafeína, oferece uma bebida meio sem graça. Figurava na segunda linha da cafeicultura mundial.
Tudo mudou, todavia, com a chegada do café expresso. Sabem por quê? É que aquela espuma da xícara, apreciada pelos consumidores, somente se consegue misturando um pouco do robusta no pó do arábica, técnica que gera o blend característico das marcas de expresso. Foi a sorte dos capixabas. No Espírito Santo, os pesquisadores agrícolas investiram, há anos, na lavoura do café robusta, fazendo-o ganhar produtividade. Dominam hoje esse veio do mercado.
Anda animada a cafeicultura nacional. Investe na qualidade, faz bons negócios e dorme alimentando um sonho: ver cada chinês tomando uma xícara de café expresso. Café e agricultores especiais.

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