Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, fevereiro 07, 2012

Enigma na taxa de emprego Ilan Goldfanj



O Globo - 07/02/2012
 

Algo interessante está ocorrendo no Brasil. No final do ano passado, o desemprego atingiu 4,7% (ou 5,5%, levando em conta a sazonalidade favorável de dezembro), um recorde de baixa.
A princípio, mereceria apenas os festejos de sempre. Mas há algo mais enigmático. O desemprego tem melhorado num contexto de piora da economia: o crescimento do PIB desacelerou para cerca de 2,7% no ano passado, o que normalmente levaria a um aumento do desemprego. O que está acontecendo? O mercado de trabalho está descolando do resto da economia? Quais as consequências? Uma parte da explicação é simplesmente a existência de defasagens na economia. O mercado de trabalho é normalmente o último da cadeia a sentir o impacto da desaceleração.
As vendas caem e a produção tem que diminuir para evitar acúmulo de estoques desnecessários. O desemprego aumenta quando as empresas diminuem a produção e o emprego fica ocioso. Pode ser que ainda estejamos no início do processo. Se for, devemos esperar uma subida do desemprego daqui em diante. Mas a defasagem parece longa demais e o mercado de trabalho forte demais para fazer acreditar que nada mudou desta vez. Há duas teorias alternativas (não excludentes).
A primeira diz respeito à produtividade do trabalhador. Alguns temem que a combinação do desemprego recorde com economia fraca seja sinal de problemas à frente. Afinal, estamos produzindo menos com mais gente — produtividade menor. A economia poderia estar mostrando sinais de esgotamento mais duradouros. Uma economia com produtividade menor está fadada a crescer menos e/ou a ter mais inflação. O risco é que a retomada da economia venha a diminuir ainda mais o desemprego, tornando a mão de obra mais escassa, elevando custos para empresas, o que poderia resultar em mais inflação. Controlar a inflação exigiria crescer menos.
Mas qual seria a razão para a produtividade do trabalhador estar caindo? Com o crescimento maior da economia nos últimos anos, as empresas têm encontrado dificuldades crescentes em contratar mão de obra, principalmente qualificada. A solução tem sido contratar um contingente da população cuja capacitação é inferior à dos empregados atuais. Resolve as necessidades imediatas, mas a produtividade desses trabalhadores é inferior, o que derruba a produtividade média da economia.
A segunda teoria alternativa é que os empresários podem estar evitando demitir.
O custo para as empresas de demitir e voltar a empregar é alto no Brasil.
Se os empresários têm confiança na retomada da economia e no seu crescimento no médio prazo, podem preferir manter os trabalhadores ociosos por um tempo do que demiti-los (e depois recontratá-los). A experiência dos últimos anos, principalmente a reação à crise de 2008/9, poderia estar induzindo esse comportamento. Os empresários não demitem, a economia mantém um contingente de trabalhadores ociosos prontos para serem utilizados mais adiante. É uma "poupança de trabalhadores", como referida na literatura.
Nessa alternativa, o desemprego baixo é função das expectativas quanto à volta do crescimento futuro.
Quando a economia voltar a acelerar (acreditamos que o PIB volte a acelerar ainda este ano, principalmente no segundo semestre), essa poupança será utilizada, em vez de maior procura de trabalho e sobreaquecimento do mercado de trabalho. A evidência dessa alternativa é a queda das horas trabalhadas (em vez de demissões).
Acreditamos que as alternativas acima não sejam excludentes. A facilidade com que a economia incorporou mão de obra no passado (e alavancou o crescimento) pode não se repetir no futuro.
Alguma perda de produtividade pode estar ocorrendo como consequência da qualificação ainda insuficiente da mão de obra para o crescimento desejado.
Mas parte do que estamos observando pode ser um fenômeno cíclico — preservação do emprego numa economia aprendendo a conviver com altos e baixos.
O comportamento do desemprego, da inflação e do crescimento a partir da retomada deste ano depende da força de cada um desses fatores.

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