Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 13, 2008

Um gênio austríaco na corte de dom João VI

Um erudito à brasileira
Neukomm no Brasil recupera obras do compositor austríaco que viveu no Rio de Janeiro e foi aluno predileto de Haydn


Sérgio Martins

SONATAS E LUNDUS
Kanji, Rosana e Neukomm: o compositor austríaco apresentou a música de câmara ao país, mas também se deixou influenciar pelos ritmos afro-brasileiros

A menção aos artistas viajantes do século XIX faz pensar em pintores como Debret e Rugendas, europeus cujas obras constituem documentos essenciais para quem deseja conhecer o Brasil daquele tempo. Muito menos lembrada é a existência de um "músico viajante", o austríaco Sigismund Neukomm (1778-1858), que desembarcou no Brasil em 1816, ao lado de um emissário do rei francês Luís XVIII. Ele viveu no Rio por cinco anos e aqui compôs 45 obras – algumas inspiradas em ritmos folclóricos. O CD Neukomm no Brasil, que chega nesta semana às lojas, traz seis peças que nunca haviam sido gravadas em disco e é um registro singular da passagem desse discípulo de Haydn pelo país.

Não apenas discípulo: Neukomm se orgulhava de ter sido o "aluno predileto" de Joseph Haydn, um dos nomes centrais da música erudita, responsável, entre muitos outros feitos, pelo desenvolvimento do formato sinfônico. Em 1809, após perambular pelas cortes de São Petersburgo e Viena, Neukomm se mudou para Paris e caiu nas graças do príncipe Talleyrand. Esse grande vulto da política francesa do século XVIII o tornou uma espécie de compositor oficial e depois incluiu seu nome na missão enviada ao Brasil.

Quando Neukomm chegou ao Rio, num período de efervescência depois da mudança da família real portuguesa para a colônia, encontrou dois compositores de prestígio – o padre José Maurício Nunes Garcia e Marcos Portugal. Com sua formação esmerada, não tardou em reinar. Compôs a Grande Missa da Aclamação, escrita em 1818 para homenagear a rainha Maria I, e, um ano depois, apresentou um movimento final para o célebre Réquiem que Mozart deixara inacabado ao morrer, em 1791. A maior contribuição de Neukomm, contudo, foi trazer a música de câmara ao Brasil. Nunes Garcia e Portugal faziam composições para ser mostradas no Real Teatro ou na Capela Real. Neukomm criou peças virtuosísticas, tocadas por ele e pelo flautista Pierre Laforge nos salões da nobreza. É esse gênero que se faz presente em Neukomm no Brasil, em interpretações de Rosana Lanzelotte (pianoforte) e Ricardo Kanji (flauta), instrumentistas com trânsito livre pelas principais salas de concerto do mundo.

Se pintores como Rugendas permitiram que o mundo conhecesse as paisagens e os costumes brasileiros, Neukomm, apesar de demonstrar algum interesse pelo folclore local, foi mais importante por trazer ao país a música européia. Contemporâneo de gênios como Beethoven e Schubert, ele acabou eclipsado, apesar de sua copiosa produção de 1 800 obras. Mas não merece o esquecimento, por seu papel de agente da cultura entre a elite brasileira do século XIX.

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