Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 13, 2008

Crepúsculo, de Catherine Hardwicke

Os mortos também amam

Crepúsculo, a adaptação do primeiro livro da série da escritora Stephenie Meyer sobre um vampiro adolescente e sua paixão impossível, é mesmo um fenômeno: agrada ao público jovem pregando a virtude e a castidade


Isabela Boscov

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É verdadeiramente química a paixão que Edward Cullen sente por Bella Swan: antes mesmo de vê-la, a distância, na cafeteria da escola, o aroma do sangue da menina desperta nele um instinto primitivo e quase irresistível. Também Bella experimenta uma atração poderosa por Edward, embora um pouco mais comum. A não ser por esse cheiro inebriante, ela é uma adolescente como qualquer outra, ao passo que ele é um vampiro, que há nove décadas permanece nos 17 anos. E, se isso não é uma maldição – viver a eternidade na fase mais tormentosa da adolescência, rematriculado ano após ano no ensino médio –, então nada há de ser. Mais difícil que isso, só apaixonar-se perdidamente e não poder manifestar essa paixão exceto pelos gestos mais castos. Um abraço aqui, um beijo ali, e Edward já mal consegue frear no sinal vermelho. Avançá-lo, no caso dele, implica mais do que sexo. Significa também sorver o sangue de Bella e trazê-la para as fileiras dos mortos-vivos. Para Edward, que como toda sua família abdicou do sangue humano, ceder àquele instinto ancestral de verter o sangue da amada (e o sentido aí é tão claramente associado à virgindade que nem se pode dizê-lo duplo sentido) seria tornar-se ainda mais monstruoso do que ele já julga ser. Não há, na história de Crepúsculo (Twilight, Estados Unidos, 2008), que estréia nesta sexta-feira no país, nem um traço de ironia. Amor é amor mesmo, renúncia também. E essa talvez seja a chave do sucesso tanto da série escrita pela americana Stephenie Meyer, que já vai pelo quarto livro, quanto desta adaptação de seu primeiro episódio: devolver a uma geração de adolescentes um tipo de romantismo que parecia descartado – o tipo que crê nos sentimentos genuínos, e que prega esperar não apenas pela pessoa certa, mas pela hora certa.

Stephenie Meyer é mórmon. O que não significa que viva fora do mundo nem que seja irremediavelmente pudica. Em seus livros (que inspiram devoção em alguns e perplexidade ante tamanha devoção em outros), ela tira pleno partido da situação altamente erótica desse casal. O que, aliás, serve tanto melhor ao seu propósito de advogar o autocontrole: onde não existe tentação, não existe mérito em resistir a ela. Como de boba a diretora Catherine Hardwicke também não tem nada, estes são os aspectos que ela reforça no filme: o da embriaguez da paixão que fulmina Edward e Bella e o do atordoamento de que eles são tomados a cada vez que quase chegam lá, e então recuam. Isso é o que Catherine, conhecida pelos dramas adolescentes Aos Treze e Os Reis de Dogtown, faz melhor – capturar, em seus jovens atores, o redemoinho de emoções dessa etapa da vida. Graças a esse talento, Crepúsculo resiste bem, ao menos do ponto de vista do público a que se dirige, a alguns entrechos desajeitados e aos efeitos malfeitinhos. Não é por nada disso, afinal, que a platéia está lá. É para também ela se atordoar com tanto amor impossível se desenrolando contra as paisagens turvadas por névoa e chuva da costa noroeste americana – essa, sim, lindamente fotografada.

O fato de Crepúsculo ser um filme assim sincero (além de barato, a um custo de 37 milhões de dólares, já quase quintuplicado em três semanas desde seu lançamento) não quer dizer que se exima de recorrer a um truque oportunista já consagrado em outras produções primordialmente destinadas à platéia feminina. Interpretado por Robert Pattinson, que foi o Cedric Diggory de Harry Potter e a Ordem da Fênix, Edward é alto, tem traços aristocráticos, gosto impecável (vampiros, como é sabido, têm grande senso fashion) e olhos que queimam quando se olha dentro deles. Kristen Stewart, como Bella, é independente, curiosa e graciosa – mas não mais do que graciosa. Juntar atores de beleza extrema a atrizes de beleza simplesmente humana é uma maneira eficaz de telegrafar a mensagem de que mesmo quem não tem porte de princesa pode achar um príncipe para chamar de seu. Ainda que ele esteja mais morto do que vivo.

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