Por esse raciocínio, o governo Luiz Inácio da Silva entrou em ritmo de contagem regressiva e os partidos já trabalham sob a ótica do que vem pela frente.
Para isso é fundamental que dêem boa impressão, se mostrem vitoriosos, posem de poderosos, escondam dificuldades, passem bem longe de autocríticas (em público, pelo menos), esqueçam episódios nefastos, exibam-se em suas versões mais otimistas.
O governo trabalha para impedir a dispersão da tropa, a oposição se empenha para atrair a maior quantidade possível desses soldados e as legendas que gravitam nas áreas de influência dos dois campos buscam as melhores posições para identificar parcerias vantajosas.
"Os aliados do presidente Lula se abrigam sob o guarda-chuva dele e não do PT", aponta o governador de Minas, que, com isso, quer dizer o seguinte: sem Lula como candidato, arrefecido o ânimo com a eficácia da transferência automática de votos, o campo está fértil para a revisão de parcerias na coalizão partidária que sustenta o governo.
O companheiro mais cobiçado é, claro, o PMDB. Aécio Neves acha que o PSDB reúne todas as condições para conquistar, senão o partido todo e de imediato, pelo menos boa parte dele de forma gradativa: quanto mais competitivos para 2010 os tucanos se mostrarem, mais próximos os pemedebistas tendem a ficar.
Aécio acha, por exemplo, que o PSDB não deve pensar em chapa puro-sangue para 2010. "Parece pretensioso." Aos tucanos que defendem Serra para presidente e Aécio para vice, parece mesmo é que o mineiro não quer entregar os pontos da pré-candidatura para presidente.
Seja qual for a intenção subjacente, fato é que Aécio defende abertamente a entrega da vaga ao PMDB. "Se o candidato mais viável for o Serra, será o escolhido com o meu apoio. Mas acho que, se queremos somar, não podemos ter uma chapa pronta, temos de abrir e a primazia no caso seria do PMDB."
Como se vê, o processo ganhou consistência e velocidade.
Só que do outro lado não tem ninguém dormindo no ponto. O governador de Minas não é detentor exclusivo dos ensinamentos sobre os atrativos do poder. O Palácio do Planalto tem ciência de todos eles e já os pôs em prática antes mesmo do fim do segundo turno das eleições municipais.
Computados os resultados da primeira etapa, desenhado o fortalecimento do governador José Serra na vitória do prefeito Gilberto Kassab em São Paulo, revista a tese sobre a influência da popularidade de Lula nas escolhas do eleitor, os governistas fizeram o primeiro movimento.
Produziram declarações em série de apoio a Dilma Rousseff como candidata oficial à Presidência da República, a fim de não deixar Serra capitalizar sozinho o foco da perspectiva de poder.
Conhecidos os eleitos na segunda etapa, o Planalto orientou o segundo movimento: um recuo tático na briga com o PMDB pelas presidências do Congresso, saudações gerais às vitórias do partido, redução dos danos decorrentes das disputais locais entre os dois parceiros e afirmação enfática sobre a importância do papel do partido no governo.
Na verdade, importante mesmo é evitar que o PMDB comece a cumprir algum papel na oposição. Não pela capacidade do partido de mobilizar o eleitorado, porque o jogo agora não inclui a platéia. Mas muito mais pelo senso de oportunidade do partido, cujos passos podem servir como indicador para mudanças ou permanências de expectativas dentro e fora dos limites do terreno político-partidário.
Em português claro, trata-se de evitar, de um lado, e de tentar provocar, de outro, o conhecido efeito manada.
Controle remoto
Nada há de extraordinário no charivari que se desenha no horizonte por causa da eleição para as presidências da Câmara e do Senado. Trocas de comando tranqüilas são raras no Congresso.
No governo Lula mesmo só houve uma, a primeira. Ainda assim, os ungidos da época - José Sarney no Senado e João Paulo Cunha na Câmara - desorganizaram por um ano o ambiente tentando (inutilmente) mudar a Constituição para se candidatarem à reeleição nos respectivos postos.
Quando se tornaram definitivamente companheiros de governo, em 2006, PT e PMDB tentaram controlar a situação com um acerto de alternância válido para os quatro anos seguintes: nos dois primeiros os petistas comandariam a Câmara, os pemedebistas o Senado; nos dois últimos, trocariam entre si os comandos das Casas.
O problema dos acordos políticos firmados com excesso de antecedência é que no meio tempo entram em cena as novas circunstâncias para atrapalhar. Se de perto já é difícil manejar os fatos, quem dirá de longe.