Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 09, 2006

Mascate do ar

Nos aviões da empresa irlandesa
Ryanair, quase tudo é cobrado dos
passageiros. Menos a passagem


Chrystiane Silva


A companhia aérea irlandesa Ryanair encontrou uma estratégia radical para revolucionar o competitivo mercado de baixo custo. Suas passagens não são só baratas como as de seus concorrentes. Algumas são praticamente gratuitas. Um trecho entre Londres e Roma custava na semana passada, por exemplo, 0,79 euro (pouco mais de 2 reais); entre Porto e Barcelona, 0,01 euro (0,03 real). Com esses preços, a empresa transformou-se numa das mais populares e lucrativas da aviação mundial. Lucrativas? Sim. A Ryanair deu um novo sentido ao princípio econômico segundo o qual "não existe almoço grátis". Se o passageiro não paga para voar, paga por quase todo o resto. Quer um copo de água? Sem problemas, basta desembolsar 2,50 euros (7,06 reais). Há taxas para despachar bagagens, instrumentos musicais e até para levar crianças a bordo (veja quadro abaixo). Quando os aviões estão no ar, os comissários transformam os corredores da aeronave em verdadeiras feiras ao ar livre. Tudo é vendido, desde jogos de cartas até câmeras digitais.

A maioria dos jatos é equipada com telas nas poltronas que exibem, durante todo o vôo, anúncios publicitários de companhias como Vodafone, Jaguar e Hertz. Essas companhias compram o espaço com a certeza de que os passageiros não vão tirar os olhos da telinha – as poltronas não reclinam. A Ryanair também ganha comissão sobre as vendas de locadoras de automóveis, diárias de hotéis, pacotes de turismo e seguros de viagem feitas por meio de seu site, na internet, que tem 15 milhões de visitantes por mês. A próxima novidade da Ryanair deve ser o uso do celular durante os vôos. A empresa aérea fez um acordo com a On-Air, fornecedora de comunicações para passageiros a bordo, que vai permitir ligações de celular nas aeronaves. O serviço deve estar disponível a partir de 2007 porque ainda depende da aprovação das agências reguladoras. As ligações serão cobradas como chamadas internacionais e debitadas na conta de telefone dos passageiros.

Ralph Orlowski/Reuters
Na Ryanair, criança paga taxa extra de 10 euros


A Ryanair transportou neste ano 42 milhões de passageiros – pouco menos que os 45 milhões de passageiros do atabalhoado sistema aéreo brasileiro. Sua margem de lucro é de 18%, contra 7% da pioneira do mercado, a americana Southwest Airlines. Por trás dessa estratégia está a mente criativa do presidente executivo da Ryanair, Michael O'Leary, que resgatou a companhia da beira da falência na década de 90 com uma versão radical do modelo de "baixo custo, baixo preço". Programa de milhagens? A Ryanair não quer saber disso. O'Leary define assim seus serviços: "Quer luxo? Vá procurar outra companhia". No ano passado, 25% dos assentos da empresa eram praticamente gratuitos. A expectativa é que em cinco anos esse porcentual suba para 50%. A Ryanair opera na maioria das vezes em aeroportos periféricos, onde as taxas aeroportuárias são mais baixas. Com isso, fatura também para levar seus clientes até o centro da cidade.

Fundada pela família Ryan, a companhia operava inicialmente a rota entre Waterford, no sudeste da Irlanda, e Gatwick, na periferia de Londres. Em 1986, deu seu primeiro grande passo, ao desafiar o duopólio da inglesa British Airways e da irlandesa Aer Lingus na lucrativa rota Dublin–Londres. O'Leary não poupa esforços para buscar passageiros e margens de lucro cada vez maiores. Ele chegou a fantasiar-se de papa num aeroporto na Irlanda para promover o vôo para Roma. Depois que um passageiro processou a companhia por ser obrigado a pagar 35 dólares para despachar uma cadeira de rodas, O'Leary decidiu socializar o prejuízo e acrescentar 68 centavos ao preço da passagem regular. Hoje o empresário está às turras com o governo inglês. Ele pede 6 milhões de dólares em indenizações devido a prejuízos que a companhia alega ter tido com medidas de segurança contra terrorismo. A beleza do capitalismo de verdade é ser como a natureza e reinventar-se diante das dificuldades que parecem intransponíveis.





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