Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 09, 2006

Livro traz a obra da ilustradora Margaret Mee

A mulher que amava bromélias

Sai em livro o maior levantamento
já feito da obra de Margaret Mee


Lucila Soares

Fotos divulgação
Margaret Mee: ambientalista, aventureira e tema de samba


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A paixão arrebatadora de artistas europeus pela natureza luminosa dos trópicos é quase um lugar-comum na história das artes plásticas. Dentro desse grupo, a ilustradora botânica inglesa Margaret Mee (1909-1988) foi uma figura absolutamente original. Com aparência de personagem de filme, compleição física frágil e pele quase transparente, de tão branca, embrenhou-se pela Amazônia, muitas vezes acompanhada apenas de um guia. Isso nos anos 50, quando a região não despertava ainda interesse planetário e as condições de conforto eram piores do que se possa imaginar. Freqüentou a fina flor da sociedade carioca, levada pela mão de Roberto Burle Marx, que além de brilhante paisagista era anfitrião de primeira em seu sítio de Guaratiba, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, onde promovia almoços dominicais que fizeram história na cidade. Foi aguerrida militante ambientalista em defesa da Amazônia. E depois de morta virou, em 1994, enredo da escola de samba Beija-Flor de Nilópolis como A Dama das Bromélias.

COUROPITA GUIANENSIS
Aquarela e lápis para registrar a flora em quinze expedições à Amazônia
HELICONIA BURLEMARXII
Em seu diário, Margaret conta que gritou de emoção ao ver uma flor dessa espécie

A obra que lhe deu renome internacional entre os colecionadores de arte botânica desempenhou papel sem igual na divulgação da diversidade da flora brasileira, principalmente a amazônica. Suas aquarelas são de uma beleza estonteante. Algumas delas poderão, finalmente, ser apreciadas em seu conjunto a partir da semana que vem, com o lançamento do maior levantamento de seu trabalho já feito no mundo: Margaret Mee (editado pela fundação de mesmo nome; 368 páginas; 200 reais). Sua produção levou dezoito meses. As 248 ilustrações reproduzem trabalhos em lápis e aquarela sobre papel, alguns como esboços em páginas dos cadernos de viagem de Margaret. O livro reproduz ainda trechos dos diários das expedições. Esses textos mostram como era intensa a paixão da artista por seu ofício – ela escreve que gritou de emoção ao ver uma helicônia rara, algo que decididamente não faz parte do estereótipo de uma britânica. Ao mesmo tempo, revelam uma cronista atenta e cheia do sense of humour típico dos ingleses, como no trecho que se segue:

"(...) Na manhã seguinte, saí bem cedo para fazer uma coleta no igapó e enchi o barco com bromeliáceas, espécies que ainda não conhecia, inclusive uma magnífica Aechmea meeana em flor. Bento nadou até as árvores, onde uma moita delas crescia num galho bifurcado, logo acima da superfície do rio. Levando meu facão entre os dentes, ele subiu agilmente na árvore, tirou com destreza as aranhas e os escorpiões com a ponta do facão e começou a golpear as raízes lenhosas e duras. Logo no primeiro golpe ele estava coberto de formigas e eu, sabendo o quanto as picadas doem, pedi que parasse. Mas ele apenas sorriu impassível e continuou a cortar. Quando não suportou mais as picadas, ele pulou no rio a fim de se livrar das formigas, retornou à árvore e me trouxe duas plantas, uma delas em flor".

CATTLEYA VIOLACEA
Precisão de cientista em traços delicados e cores cheias de nuances

Margaret Mee veio parar no Brasil por acaso, em 1952, e acabou morando aqui até o fim da vida. Sua irmã Catherine, que morava em São Paulo, adoeceu, e Margaret viajou para cuidar dela. O marido, Greville, veio junto. O casal (que já não gostava do clima da Inglaterra) encantou-se com o calor tropical e decidiu ficar. Ela conseguiu emprego numa escola inglesa como professora de desenho e começou a se organizar para conhecer a Amazônia. A primeira expedição foi em 1956. A ela se seguiram catorze outras, sendo a última em 1988, ano de sua morte. No intervalo, Margaret percorreu o interior do Nordeste, Mato Grosso e o Rio de Janeiro. Na última viagem, comemorou 79 anos à beira do Rio Negro. Já era internacionalmente famosa, havia feito exposições em todo o mundo, publicado seus diários e se tornado militante ambientalista das mais respeitadas. Contraíra uma hepatite grave nos anos 60, quebrara o quadril dez anos depois, mas continuava trabalhando sem parar em seu ateliê e planejando expedições. Depois de tantas aventuras, morreu num acidente banal de automóvel, na Inglaterra.

Nos anos seguintes, tornou-se progressivamente presença obrigatória nas coleções de arte botânica. São peças valiosas como registro científico, como obras de arte e como testemunhas de suas aventuras. Shirley Sherwood, dona de uma das maiores coleções do gênero na Inglaterra, conta que desistiu de desenrugar uma aquarela que acabara de comprar porque concluiu que o defeito, resultante da extrema umidade amazônica, dava à obra uma atmosfera enriquecedora. Ghillean Prance, ex-diretor do Kew Gardens, escreveu que a importância de Margaret é maior que a de outros viajantes e artistas porque ela conseguiu impregnar sua arte da realidade do ambiente: "Ela observou, cheirou, tocou, viajou, coçou-se, sofreu, suou, atrasou-se, desapontou-se e ficou. Em seguida, pintou".

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