Entrevista:O Estado inteligente

domingo, dezembro 17, 2006

JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN

A agenda minimalista do presidente


O governo parece ter compreendido que o país não tem as condições para crescer 5% de maneira sustentada

NO FINAL do ano passado, escrevi uma coluna lamentando a oportunidade perdida em 2005. O bom desempenho da economia global naquele ano permitiu a muitos países emergentes superar previsões que já eram bastante otimistas. A exceção foi o Brasil, que, apesar das condições externas extremamente propícias, cresceu 2,2%.
Lamentavelmente, eu poderia hoje republicar a mesma coluna. O ano que termina foi ainda melhor para a economia mundial do que 2005, e o PIB dos países emergentes, puxado por China e Índia, aumentou 7,6%, e o da América Latina, 4,9%. Os preços das commodities continuaram favoráveis, e as taxas de juros internacionais longas não aumentaram.
Mas a economia brasileira registrou um crescimento de cerca de 3%. Como muitos outros observadores, eu estou convencido de que a política monetária excessivamente apertada reduziu o crescimento.
Mas a verdade é que, mesmo se o Banco Central seguir uma política de juros de melhor qualidade, a economia brasileira não vai obter, no longo prazo, resultados muito superiores ao atual.
O presidente Lula anunciou no dia de sua reeleição que a economia brasileira cresceria 5% ao ano no segundo mandato, mas esta Folha noticiou que o Planalto já trabalha com uma previsão de 4% para 2007. O governo parece ter compreendido que o Brasil não tem as condições necessárias para crescer a 5% ao ano de maneira sustentada. Um pré-requisito importante para atingir tal meta seria que a taxa de investimento, hoje em torno de 20%, chegasse a 25% do PIB.
O nível dos juros reais é somente uma das razões para a nossa baixa taxa de investimento privado. A carga tributária e a falta de ambientes regulatório e institucional adequados contribuem também para reduzir os investimentos.
O Brasil precisa de uma reforma tributária que substitua os impostos indiretos sobre bens, serviços e trabalho (ICMS, IPI, ISS, Cofins etc.) por um imposto sobre o valor adicionado, preservando a cobrança do Imposto de Renda. Para combater a informalidade, a reforma deveria reduzir a contribuição previdenciária paga pelos trabalhadores com menores salários. Também deveria ser aprovado o projeto do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) que propõe uma redução gradual da CPMF até atingir 0,08% em julho de 2010. Mas cobrar impostos de maneira mais racional não é suficiente. É preciso também reduzir a nossa carga tributária, que não só supera a de outros países com o nosso nível de desenvolvimento mas também a de países muito mais ricos, como Coréia do Sul ou Estados Unidos.
Estudos econométricos documentam que uma das razões para o mau desempenho da economia brasileira a partir da década de 80 foi a falta de investimentos em infra-estrutura. A privatização dos anos 90 ajudou em setores como a telefonia, em que o Brasil já apresenta bons índices, mas a ausência de regulamentação adequada para setores cruciais, como o de geração de eletricidade, e o nível quase nulo de investimentos do governo federal resultam em um déficit em infra-estrutura. Além de melhorar o ambiente legal para atrair capital privado, o governo precisa aumentar o investimento público.
Diminuir a carga tributária enquanto se aumenta o investimento público requer corte nos gastos do governo. A dívida pública equivale a 50% do PIB e é só em parte indexada à taxa Selic. Assim sendo, uma redução da Selic real, isto é deduzindo-se a inflação, de 10% para 6% ao ano, traria uma economia inferior a dois pontos do PIB. O presidente Lula precisa atacar os gastos correntes federais, o que não deveria ser difícil em um país em que os três níveis de governo se apropriam de quase um terço do PIB.
Infelizmente, o presidente Lula parece ter adotado uma agenda minimalista. A reforma tributária que se desenha é menos ambiciosa do que a necessária e sem redução da carga. O governo defende a prorrogação da CPMF, mas mantendo a atual alíquota. No final do ano passado, os ministros Paulo Bernardo e Antonio Palocci Filho defendiam maior controle das despesas correntes, mas a equipe econômica de hoje prefere esperar que o crescimento reduza a proporção entre gastos correntes e o PIB.
Espero estar errado, mas é bem possível que a coluna que escrevi em 2005 continue atual no final de 2007.

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