Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 09, 2006

GESNER OLIVEIRA Apagão no ar e em terra

Preocupa a lentidão do governo em compreender a gravidade da crise e formular estratégia para gerenciá-la

PLANEJAVA escrever hoje sobre as diferentes visões de como retomar o crescimento econômico sustentado. Queria comentar visões apresentadas no encontro anual de economia organizado pela Anpec e que terminou ontem em Salvador. Mas passei 24 horas tentando embarcar para o local do evento, sem sucesso. E outras tantas tentando resgatar minha bagagem, que seguiu, desacompanhada, para algum canto do país.
Se a economia estivesse crescendo mais de 6% ao ano como na Índia, a crise de oferta no setor de transporte aéreo seria um problema do sucesso. O drama no Brasil é que os gargalos da oferta aparecem mesmo com o país crescendo a um ritmo anual de 2%, algo equivalente à semi-estagnação do PIB (Produto Interno Bruto) por habitante.
O apagão aéreo não constitui problema localizado. É apenas mais visível do que a precariedade da infra-estrutura em outros segmentos. Embora ainda restrito, o transporte aéreo constitui meio em país de dimensões continentais e com péssimas estradas e praticamente sem ferrovias. As taxas assustadoras de acidentes nas rodovias brasileiras, os roubos freqüentes de carga e a interminável espera para desembaraçar mercadorias nos portos são corriqueiros demais para ganhar a mesma atenção.
O problema do setor aéreo reflete crise maior enfrentada pela política pública. Em primeiro lugar, pela descoordenação entre os diferentes órgãos da administração: Ministério da Defesa, Infraero, Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) e Comando da Aeronáutica. Mas a descoordenação é a regra no governo federal. Ninguém faz questão de ligar o transponder.
O Ministério das Comunicações está batendo cabeça com a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). O Ministério de Minas e Energia está brigando com a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), e assim por diante. Os efeitos não são imediatos, mas, mais cedo ou mais tarde, os apagões ocorrem.
Em segundo lugar, a crise aérea ilustra a falta de planejamento setorial. O Brasil avançou na transição para uma economia de mercado nas últimas duas décadas. Mas o planejamento estatal do passado não foi substituído por mecanismos modernos de planejamento indicativo.
As metas raramente são consistentes e quase sempre ignoradas. Parece sensata a descentralização do controle do tráfego aéreo contida no pacote de emergência anunciado na quinta-feira pela Aeronáutica.
Mas é preciso ter uma estratégia de longo prazo para o próprio tráfego aéreo. Tome-se, por exemplo, a sugestão de Alessandro Oliveira, coordenador do Núcleo de Estudos em Competição e Regulação do Transporte Aéreo, vinculado ao ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), no sentido de desconcentrar a operação aérea nos grandes centros, investir em aeroportos secundários e fomentar a aviação regional. O governo não parece ser contra ou a favor de idéia desse tipo. A impressão que se tem é que tal debate nunca foi realizado.
Em terceiro lugar, preocupa a lentidão das autoridades em compreender a gravidade da crise e formular uma estratégia para seu gerenciamento. A primeira coisa a fazer é transmitir à população uma noção precisa da situação. Isso não se faz ocultando e/ou manipulando os números.
De acordo com o Escritório de Estatísticas de Transporte dos Estados Unidos, em outubro deste ano 73% dos vôos não registraram atraso. Este último é definido de forma inequívoca: desvio de mais de 15 minutos da hora prevista. Aqui, em meio à crise, o conceito foi redefinido para algo que pode chegar a uma hora!
As próprias empresas que são as grandes perdedoras em termos de imagem, receitas e valor no mercado de capitais parecem hesitantes. Isso em um momento em que o envolvimento direto das direções no esforço de informação e atendimento aos consumidores seria essencial.
Por fim, o apagão aéreo reflete crise mais profunda de autoridade. As regras não são cumpridas. As determinações dos chefes são olimpicamente ignoradas e fica tudo por isso mesmo. Exemplo análogo ocorre com as invasões de terras na cidade e no campo. O país precisa mudar. Ou a própria discussão sobre a retomada do crescimento sustentado perde sua razão de ser.

Arquivo do blog