Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, dezembro 11, 2006

FOLHA Entrevista:Luiz Felipe de Alencastro: Pinochet dividiu as esquerdas na Europa

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RAFAEL CARIELLO
Folha de S. Paulo
11/12/2006

Para historiador, "capítulo negro" representado pelo golpe de 1973 no Chile teve reflexos políticos mundiais

"Encerrou-se um capítulo negro da história da América Latina", diz o professor de história do Brasil na Universidade de Paris-Sorbonne, Luiz Felipe de Alencastro, sobre a morte do general Augusto Pinochet. Para ele, o golpe de 1973 no Chile foi "algo sombrio" não só para os países da região mas para as esquerdas do mundo todo, particularmente na Europa.
Partidos progressistas tiveram que reavaliar, diz ele, a viabilidade de reformas profundas como as propostas por Salvador Allende, destituído por Pinochet, a partir de uma maioria frágil. Terminaram se dividindo entre os que pregavam amplas alianças, como o Partido Comunista Italiano, e os que partiram para a radicalização e a luta armada, como as Brigadas Vermelhas.

FOLHA - O que o general Pinochet representou para a história da América Latina?
LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO - Para a história do Chile, em primeiro lugar, e aí para a América Latina, foi um fato muito surpreendente. Porque se tratava do país da região que tinha a vida política mais bem estruturada. Tanto o Brasil quanto a Argentina já tinham tido golpes e tumultos antes, mas o Chile, não.
A eleição de Salvador Allende [1908-1973] aparecia como a chegada ao poder, pela via democrática, de um presidente assumidamente marxista, com uma aliança de união de esquerda e que prefigurava um pouco o debate que ocorria na Europa, na França e na Itália, a respeito de candidaturas similares de esquerda.
No caso da França, a identificação com o [François] Mitterrand [1916-1996] era grande.
Allende tinha um perfil bastante próximo daquele do político francês de esquerda: era laico, era maçom, o que criava outra rede de simpatias e de alianças, era um homem muito aberto.
Na América Latina foi um choque, o sinal de que nada escapava a essa vaga de golpes e de ditaduras -que na realidade tinha começado com o Brasil.
Na França e na Itália, principalmente, foi um alerta muito grande, na medida em que se percebia que não se podia avançar em transformações sociais muito radicais, mesmo sendo eleito, com maioria simples de votos. Que era preciso uma aliança mais ampla. Foi isso que levou o Partido Comunista Italiano a propor o compromisso histórico, uma aliança com a Democracia Cristã. Aí suscitou também uma radicalização da extrema esquerda contra isso, o que acabou no assassinato de Aldo Moro [primeiro-ministro italiano, seqüestrado e morto pelas Brigadas Vermelhas em 1978].
O golpe do Chile foi, portanto, exemplar a duplo título. Para nós, foi essa coisa sombria, essa escuridão que se abatia sobre a América Latina inteira. Tanto mais que nesse caso a implicação da CIA e do governo americano foi uma coisa muito mais explícita. Na Europa, na esquerda, foi um alerta pesado -e daí a comoção muito grande que houve aqui e o acolhimento que se fez aos exilados chilenos, com os quais vieram muitos argentinos e brasileiros.

FOLHA - A morte de Pinochet pode trazer alguma conseqüência política atual para o Chile, para o modo como a sociedade chilena se relaciona com seu passado de ditadura?
ALENCASTRO - O caso do Chile é exemplar, do ponto de vista das ditaduras, porque o país foi um dos articuladores da Operação Condor -que era a operação de cooperação internacional das ditaduras, da qual o governo brasileiro também participou.
Foi uma coisa extremamente audaciosa de terrorismo internacional. Isso criou uma série de problemas jurídicos depois -o fato de terem torturado, matado e desaparecido com vários estrangeiros. O mesmo no caso da Argentina. Foi isso que levou a ações como a do juiz Baltasar Garzón e outras. Porque tinha havido assassinato de espanhóis e de pessoas de outras nacionalidades. Isso criou um problema jurídico mais duro de roer para o governo chileno. Tornou-o mais vulnerável. Os chilenos sempre insistiram em que eles é que deveriam julgar o Pinochet. O fato é que as ações judiciais começaram fora do Chile.
Mas já houve, por lá, prisão de gente implicada em assassinatos, por exemplo, há interrogatórios e várias pessoas que não podem sair do Chile.

FOLHA - A morte de Pinochet muda alguma coisa?
ALENCASTRO - Encerrou-se um capítulo negro da história da América Latina e do Chile.

FOLHA - Por que Argentina e Chile lidaram de modo diferente com o passado de ditadura do que o Brasil?
ALENCASTRO - Porque a desproporção da repressão é muito grande. No Brasil deve haver uns 300 desaparecidos. Na Argentina fala-se de pelo menos 15 mil, e tem gente que fala em 20 mil, 30 mil. No Chile se fala em 5.000. Houve muito mais exilados, proporcionalmente, na Argentina e no Chile.

FOLHA - Qual a ligação entre essas várias experiências ditatoriais? Elas estão definitivamente afastadas?
ALENCASTRO - Esse ciclo mais recente tem a ver com a Revolução Cubana e a entrada da Guerra Fria na região. Com seu final, não há mais esse dínamo por trás dessas crises todas que possa haver aqui e ali.

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