Entrevista:O Estado inteligente

domingo, dezembro 03, 2006

FERREIRA GULLAR

FERREIRA GULLAR

Idelwaxinovinalditã


Todo o esforço para esclarecer o povo não logrou superar dádivas e propaganda oficiais

NASCIDA ENTRE palmeiras, à beira de uma baía azul, a cidade de Idelwaxinovinalditã vivia sob poucas leis e muito afeto, já que a natureza era generosa e havia comida para todos.
Sucede que, precisamente devido a essa fartura, a população cresceu tanto que, depois de algum tempo, os alimentos já não bastavam. Começaram, então, os conflitos, de que resultaram lutas e mortes. Isso teria ocorrido há muito tempo, e assim nasceu a idéia de criar-se um governo que administrasse as necessidades do povo de Idelwaxinovinalditã.
Mas não foi do dia para a noite. Na verdade, foi aos poucos, com erros e acertos, que os cidadãos de Idelwaxinovinalditã encontraram o modo melhor de governar a cidade.
Ao que se sabe, o primeiro governo constituído foi chefiado por Nurdo, que contou com a colaboração de um conselho formado por pessoas influentes e respeitadas. Após alguns anos, surgiram críticas a essa forma de governo que, diziam, favorecia uma minoria de proprietários e comerciantes ricos. Mas o temor, que imobilizava os cidadãos, era que se estabelecesse a anarquia ou, pior, que Belzu, chefe dos bandoleiros que rondavam a cidade, tomasse o poder. E foi o que terminou acontecendo, após a luta fratricida que afogou Idelwaxinovinalditã num banho de sangue.
O domínio de Belzu foi efêmero, mas desastroso, porque desorganizou a economia e extinguiu as fontes de produção, além de entregar a cidade à sanha dos inescrupulosos que se juntaram aos bandidos. Na verdade, Belzu não administrava: enchia o palácio de prostitutas e ali passava os dias e as noites a beber e se divertir. Dizem que caiu em desgraça quando tentou obrigar que participassem de suas bacanais as esposas e filhas dos políticos que a ele se aliaram. A ser verdadeira es- sa versão -de que muitos discordam-, aqueles políticos, atingidos em seu amor próprio, passaram a conspirar com a adesão de alguns chefes dos bandos, tramando a morte do tirano folgazão.
Mas, antes que a consumassem, a população, revoltada, foi para as ruas e, armada de cacetetes, pedras e tochas acesas, invadiu o palácio e os pôs para correr. Afirmava-se também que Belzu e os conspiradores teriam sido capturados pelo povo enfurecido e jogados nas latrinas do palácio, onde morreram afogados em merda. "A história", escreveu Bondandshare, "não é feita apenas do que aconteceu mas também do que seria justo acontecer".
De qualquer modo, se a indignação popular não foi suficiente para dar à cidade um bom governo, serviu para mobilizar os cidadãos mais conscientes, que concordaram em que o melhor caminho era deixar que o povo escolhesse livremente os governantes. Essa decisão foi saudada pela população com danças e cantorias em praça pública.
O poder passou assim a ser exercido por representantes do povo, cujo mandato tinha duração limitada para evitar o controle do Estado por uns mesmos indivíduos ou partidos. Não obstante, o número de pobres e mesmo de miseráveis continuou a crescer. A difícil solução de tais problemas envolveria mudanças profundas das leis, o que não aconteceu, e algumas pessoas se perguntavam por que, se os governantes eram eleitos para isso.
Muitos estudiosos apontaram, como causa principal, o surgimento de uma espécie de casta que ocupara a máquina do poder e a manejava em função de seus próprios interesses, saqueando os cofres públicos e comprando o voto da maioria pobre, com comida e favorecimentos.
Assim, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário ajudavam-se mutuamente na manutenção de seus respectivos privilégios. Tornava-se a cada dia mais evidente que aquele regime, ainda que apoiado no voto popular, não era democrático. Mas que fazer? Uma ditadura seria ainda pior.
Contra essa manipulação da maioria pelos demagogos, surgiu um movimento, para o qual "quem se mantém no poder, comprando o voto dos pobres em vez de lhes dar trabalho, não se interessa em acabar com a pobreza, pois, se o fizer, perde o poder". De qualquer maneira, todo o esforço para esclarecer e organizar o povo não logrou superar as dádivas e a propaganda oficiais, que levavam as camadas populares a idolatrar o chefe do governo e beijar-lhe as mãos com lágrimas nos olhos.
Pesquisadores afirmam que a situação só mudou anos depois, quando uma espécie de colapso mental em cadeia tornou matusquelas o grande líder popular e os corruptos dos demais poderes, numa espécie de surto providencial a que o povo deu o nome de tangolomango.

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