Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 21, 2005

Zuenir Ventura :O aperitivo da crise


Para quem não é propriamente do ramo, não mora na Corte e, portanto, vê as coisas de longe, como eu, uma ida a Brasília, com algumas conversas com políticos e colegas que cobrem o Congresso e o Planalto, pode causar uma certa apreensão, principalmente se você chega na manhã de uma terça-feira como a passada. A cidade, normalmente branca, encontrava-se pintada de vermelho e agitada pelas bandeiras do MST, em clima de alta tensão, na expectativa de uma tempestade que acabaria ocorrendo à tarde, com um saldo de 52 feridos.


Cada cidade tem suas seduções. São Paulo oferece infindáveis opções gastronômicas; o Rio propõe sol e mar o ano todo. Já Brasília guarda para o visitante "atrações" políticas, às vezes duas ao mesmo tempo. Nesse dia, por exemplo, enquanto integrantes do movimento dos sem-terra e PMs a cavalo entravam em confronto sangrento em frente ao Congresso, lá dentro um outro tipo de turbulência ameaçava o governo.

Depois do aguardado discurso do deputado Roberto Jefferson, defendendo-se da acusação de comandar um esquema de corrupção nos Correios, a sessão da Câmara terminava com a oposição anunciando que tinha conseguido o número de assinaturas para a instalação de uma CPI, ou seja, tudo o que o governo não queria. Até o acusado, a quem Lula hipotecara solidariedade, assinou o documento, assim como metade dos aliados governistas iria fazer.

Cheguei à capital sabendo dos embaraços políticos e morais do governo Lula. Além de insucessos como a eleição de Severino, havia as denúncias seguidas de corrupção, abertura de inquérito do STF contra Henrique Meirelles, pedido da mesma providência contra o ministro Romero Jucá, fraudes na Receita Federal e agora, se não bastasse, o escândalo no Ministério das Comunicações, com direito a CPI.

Se na chegada foi assim, na saída foi pior. Com o Parlamento paralisado — dificilmente se aprovará a reforma tributária e a política — e Lula com sua base de apoio destroçada, deixei Brasília com a sensação de que, se o governo não acabou, falta pouco, ainda que venha a ser reeleito, pois um governo não precisa cair para acabar.

Os meus tarimbados colegas, que conhecem da Corte seus códigos e segredos, seus subentendidos e subtextos, que são capazes de medir a temperatura política pelo faro, do mesmo jeito que pressentem pelas reações do organismo o baixo grau da umidade relativa do ar da cidade, acham que não é bem assim — pode ser pior. Um deles, o comentarista da TV-Globo Franklin Martins, prevê mais tensão. "A eletricidade no ar esta semana foi só um aperitivo." Fiquei imaginando como será o prato principal.

o globo

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