Toda a aparência denuncia exaustão, até no terno amarfanhado de cor sombria e no laço torto da gravata, num desmentido às espontâneas inconfidências presidenciais sobre o seu gosto pela elegância discreta das dezenas de ternos pendurados no seu guarda-roupa do Palácio da Alvorada e da Granja do Torto, com a etiqueta e o capricho do alfaiate de confiança.
Estranha a cor do rosto molhado pelo suor abundante, de um vermelho acinzentado pela exposição ao sol na secura de Brasília, parecendo carne assada no forno.
Visível o esforço para sustentar o bom humor apelando para as reservas do seu temperamento otimista. Certamente, descontadas as trapalhadas e tropeços do encrenqueiro presidente da Argentina, Néstor Kirchner; do esperneio de Israel e da constrangedora omissão do compromisso com a democracia na Carta de Brasília, Lula estava em estado de graça, inflado de vaidade com os paparicos dos repetidos reconhecimentos à sua liderança continental.
Não foi a maratona de longas reuniões, das conversas picotadas pela indispensável ajuda do intérprete, os incidentes e desacertos da Cúpula a responsável pela aparência amarfanhada do presidente.
As angústias são domésticas, as coisas não andam bem para o lado do governo, que se contorce em crises num quadro de alarmante fracasso administrativo, a esmurrar a porta com as pancadas do desespero diante do risco indisfarçável das ameaças ao projeto prioritário e obsessivo da reeleição.
Pela primeira vez o presidente e os ministros da Casa lavam a roupa manchada em público e comentam as dificuldades que paralisam o governo e desmontam a sua base de sustentação política.
O ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, virou o coringa para todas as emergências. Além da interminável pendenga sobre se deve permanecer na coordenação administrativa para tentar remendar a bagunça; voltar à articulação política para deter a debandada dos aliados no Congresso à matroca ou acumular as duas tarefas, ainda é lembrado para substituir o deputado Aldo Rebelo na liderança do governo na Câmara.
Sinal de que o governo vai mal. É que se deu conta, como quem acorda de sono atormentado por pesadelo, que o tempo encurta, sobra um ano, sete meses e duas semanas do primeiro mandato e a campanha da reeleição empacou, receosa de afundar no atoleiro.
O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) registra 0,87% em abril, o mais alto desde junho, impulsionado pelos aumentos dos preços administrados pelo governo, como os de energia elétrica, ônibus urbanos e remédios. Especula-se com a probabilidade de novo aumento dos juros básicos da economia na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom).
O presidente da Câmara, deputado Severino Cavalcanti, promete novas dores de cabeça para a próxima semana, com a anunciada entrevista coletiva, transmitida em cadeia de rádio e televisão.
Não se sabe quando o Ministério dos Transportes sacudirá a modorra para começar a tapar a buraqueira de 57 mil quilômetros da rede rodoviária em situação de calamidade pública.
O velho Chico pode continuar a curtir a sua soneca que o ambicioso e polêmico projeto de transposição de suas águas para aliviar o drama da seca do Nordeste vai demorar: sequer começou a correr o prazo para a apresentação de propostas das empresas interessadas nas obras.
Não faltam desculpas, justificativas, queixas para tentar explicar a inação do governo, a omissão crônica, o tempo perdido e irrecuperável.
Na minha família, cavoucando a memória, encontro exemplo que se aplica como uma luva ao governo. Em meio a enorme parentela, a tia Josefina, viúva e pobre, criava a filharada com dificuldades. As filhas não davam trabalho. Mas, Eugênio, o único filho, morreu ao 72 anos sem jamais ter trabalhado. Era um agitado, sempre com pressa, às carreiras para encontros de negócios, reuniões importantes, sem resultado. A maledicência da família zombava da encenação do xodó da tia Josefina. Que sempre desculpava o filho malandro com a frase de enorme sucesso doméstico: ''O Eugênio não trabalha, mas é muito ativo.''
Lula, como o primo Eugênio, também é muito ativo. Quanto a trabalhar...
JB
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