Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, maio 03, 2005

LUÍS NASSIF:Severino, o político

 
É inacreditável o que vem falando o presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti (PP-PE). Não pelo que diz, mas pelo fato de ser o único homem público que está verbalizando pontos fundamentais de defesa da cidadania e dos fundamentos sociais do país. Nossa elite pirou, não tem mais cérebro, está perdendo os músculos políticos, e nem sinal da mais leve sensibilidade em relação a um projeto de país.
Tirando os aspectos folclóricos de sua sabatina na Folha, ontem, Severino deu uma aula de cidadania e de sensibilidade política, um valor que foi se perdendo ano após ano, obstruído pelo discurso econômico mais primário, pela defesa de valores falsos, por esse arremedo de internacionalismo provinciano desses Ph.D.s que absorveram fórmulas nos cursos no exterior, mas não os valores centrais que levaram à construção de civilizações melhores que as nossas.
Nem o PT nem o PSDB encontraram maneiras de romper com essa falsa ciência, que permitiu o predomínio do financismo mais rastaqüera e nocivo, que massacrou empresas e empregos, que impingiu uma carga tributária obscena, ao mesmo tempo em que criava todo tipo de facilidade para a circulação do grande capital -o legal e o ilícito.
Nesses anos todos, crucificou-se o Legislativo por pontos menores, insignificantes perto das conseqüências sobre o país das taxas de juros altas, mas facilmente assimiláveis por uma opinião pública ainda pouco informada e por uma cobertura insuficiente.
Todos os parentes de deputados empregados não representam um milionésimo do que se perde no país com a alta de meio ponto na taxa Selic. Todas as reformas de gabinetes de deputados não representam um centavo do custo tributário acarretado por essa libertinagem com empresas "offshore". O atendimento de uma demanda de eleitor não significa nada, perto do custo regulatório do país, da falta de fiscalização de uma CVM ou de um Banco Central sobre os "pirañas" financeiros.
A elite brasileira achou ser possível montar esse jogo de revezamento entre PT e PSDB fazendo todas as concessões possíveis ao grande capital, esmagando pequenas e microempresas, esmagando o setor produtivo que opera na legalidade, expulsando cidadãos sérios para a ilegalidade, utilizando toda sorte de manobras estatísticas para justificar corte nos gastos sociais. De repente, do nada surge Severino Cavalcanti, tosco e objetivo como um sertanejo, sem um pingo de ideologia, mas trazendo de volta um valor inestimável: a sensibilidade política para os problemas do cidadão comum.
Na saída do Teatro Folha, jovens universitários ironizavam seu vocabulário, sua falta de estudos e mais um conjunto de estereótipos criados nestes anos todos para desqualificar todo setor que levantasse pontos de vista contrários a essa liberalização à brasileira. Todos são filhos de uma classe média que a cada diz mais se pauperiza, mas não se dá conta de onde está o problema.
O discurso de Severino Cavalcanti é o único choque de realidade capaz de fazer com que a dita elite política do país -PT e PSDB- comece a acordar.
FOLHA DE S.PAULO

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