Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, maio 20, 2005

Luiz Garcia:Por enquanto



Pareceu que o Brasil fora inundado por um maremoto de ladroagem. Em poucos dias, revezaram-se nas manchetes capítulos de quatro histórias cabeludas:


1. A sentença contra o casal Garotinho, do PMDB, por compra de votos em Campos.

2. A divulgação de imagens e sons mostrando um esquema de corrução nos Correios e implicando (ou não) o presidente do PTB, Roberto Jefferson.

3. Uma gravação, exibida pela Rede Globo, feita e oferecida pelo governador de Rondônia, Ivo Cassol, do PSDB, mostrando deputados estaduais cobrando-lhe propina — com um discurso de raro descaramento.

4. A prisão em Alagoas de oito prefeitos e quatro ex-prefeitos, acusados de se apropriar de verbas federais destinadas à educação.

São histórias cabeludas. Mas, se alguém está com nojo e ânsias de vômito — ou com desalento e vontade de se mudar para a Bolívia — é aconselhável não se precipitar nas conclusões.

Para começo de conversa, não é verdade que o Brasil esteja se debatendo numa espantosa ou inédita onda de corrupção em diferentes áreas do poder público.

Olhando-se de perto, o que temos? Um dos episódios é operação eficiente dos agentes federais, o que não tem sido raro hoje em dia. O outro, a decisão de uma juíza que não se deixou intimidar pelo poder político, em Campos e alhures, do casal Garotinho.

Nos dois episódios há o que celebrar.

Quanto a Rondônia e Correios, nos dois casos sabe-se que há culpados óbvios — embora falte descobrir se há outros. O governador Ivo Cassol gravou o pedido de dinheiro dos deputados em 2003, e só agora o divulgou. É indiscutível que Cassol — que pertence à oposição, é justo lembrar — acobertou um crime durante tempo considerável; a questão é saber por que o fez. Mas como providências estão sendo tomadas para isso — e o Senado já decidiu acompanhar formalmente as investigações — é legítimo incluir o episódio no rol das boas notícias.

Quanto aos Correios, o presidente do PTB talvez seja tão inocente quanto diz. Mas ele enfrenta missão mais complicada do que salvar a própria pele. Tem de provar que a administração dos Correios, repartição pública momentaneamente estacionada no quintal do seu partido, não está contaminada pelo tipo de comércio sujo documentado na fita, gravada por motivos igualmente sujos.

Não é difícil coisas assim acontecerem quando um governo entrega nacos do aparelho estatal a aliados políticos de ocasião. Na ausência de identidade ideológica, o apoio eleitoral é um negócio. E o ambiente, digamos, pragmático, torna quase inevitável que uns e outros, em algum momento, queiram levar o seu em espécie.

Portanto, existe a revelação — num caso, até a punição em primeira instância — de episódios diferentes de corrupção envolvendo agentes do Estado. Mas não há, até agora, notícia de que qualquer dos episódios esteja sendo varrido para debaixo do tapete. Ou que, adiante, conseguirão fazê-lo.

Por enquanto, portanto, tudo azul.

Mas, para quem faz questão de encontrar algo com que se preocupar, a crise política está aí mesmo, ilustrada pela quantidade de votos de petistas e aliados a favor da CPI dos Correios — ou seja, a favor de apurar a possibilidade de corrupção no governo Lula. A parte do PT que está no poder até agora sequer mostrou potencial para começar, qualquer dia desses, a reduzir o atual déficit de governabilidade em Brasília. Parece mostrar, isso sim, crescente falta de apetite por um trabalho aborrecido.

Nessa área, por enquanto, tudo cinzento, ameaçando caminhar para o preto.
o globo

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