Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, maio 03, 2005

Luiz Garcia:Lição antiga

O Vietnã fez anos na semana passada e o general Giap soprou as velinhas do bolo. Trata-se de um dos dois últimos sobreviventes (o outro é Henry Kissinger) dos principais protagonistas de uma guerra de muitos heróis e pouco senso.


Para quem nasceu outro dia: foi nos campos de arroz da antiga Indochina colonizada pelos franceses — expulsos graças ao gênio militar do mesmo Giap — que os Estados Unidos perderam mais de 40 mil homens na defesa de uma teoria que não existia na prática. Era a "teoria dos dominós". Se você enfileirar adequadamente uma quantidade de peças de dominó, basta derrubar a primeira que todas as outras cairão em série. O chato é que isso só funciona com dominós.

Mas já em 1954, o então presidente Eisenhower mencionava a teoria ao afirmar que as democracias ocidentais tinham perdido 450 milhões de cidadãos asiáticos para ditaduras comunistas — e era imperioso deter esse processo: não havia dominós a perder. Davam-lhe razão, aparentemente, a Guerra da Coréia e uma iminente (ou assim parecia na época) invasão de Formosa pela China Comunista. Os países ameaçados incluíam, disse ele com sincera convicção, o Japão, as Filipinas e a Austrália.

O risco de um dia cangurus desfilarem na Praça Vermelha justificou a tentativa de deter a queda dos dominós na antiga Indochina francesa. Mas a derrota dos americanos no Vietnã não produziu uma progressiva "comunização" da Ásia. Pequim tinha outras prioridades, hoje conhecidas e potencializadas pelo fim do comunismo na URSS. Transformou-se em poderoso parceiro comercial das democracias ocidentais e não manifestou, mesmo quando a guerra fria ainda estava a pleno vapor, qualquer interesse em fortalecer o regime comunista no Vietnã ou em ajudar a elevar o nível de vida de seu povo. E mostrou o mesmo solene desprezo pelos coadjuvantes do elenco, os vizinhos Camboja e Laos. Nas relações internacionais, vizinhos raramente são bons amigos.

A festa de aniversário em Hanói não escondeu a realidade de um país paupérrimo, que pratica uma forma local do velho ideário marxista. E, ironicamente, ganha mais dinheiro hoje com turistas americanos na velha Saigon (hoje Ho Chi Minh) do que com investimentos e ajuda de Pequim. Talvez seja mais uma prova, hoje talvez desnecessária, de que Marx estava mais certo na crítica do que nas propostas.

No clima da guerra fria, talvez a aventura americana no Sudeste da Ásia parecesse inevitável. Mas existiam outras receitas — do cardápio capitalista, como seria natural — de deter a expansão do comunismo. Foi o que Washington descobriu na década de 80, com êxito impecável.

Tanto para os homens como para as grandes potências, o sucesso a longo prazo depende em grande parte de não se acreditar na própria propaganda — pelo motivo óbvio de que ela é concebida para uso externo. Mas parece que a tentação é freqüentemente irresistível. Como parece estar acontecendo em Washington, nestes dias, em que o terrorismo é apresentado como ameaça equivalente ao velho comunismo.

Condoleezza Rice fisicamente não se parece nem um pouco com Foster Dulles, pioneiro e caixeiro-viajante da guerra fria nos anos 50.

Mas é só abrir a boca...

O GLOBO

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