Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, maio 12, 2005

JANIO DE FREITAS :Um passo para a frente

 Dava para desconfiar, embora não desse para escrever, que a proclamada finalidade comercial da Cúpula América do Sul-Países Árabes era uma fachada para algo além. Negócios entre países se incentivam melhor por conversações bilaterais, e não em plenários amplos, adequados à criação de normas internacionais e julgamento de contraposições. E, talvez mais que tudo, a projetos de blocos, do tipo, por exemplo, do extinto e saudoso Bloco dos Países Não-Alinhados, Liga dos Estados Árabes, a frustrada União Pan-Africana e mesmo a fantasiosa União Pan-Americana, instrumento ineficaz da propaganda pró-EUA na Guerra Fria.
Caso o futuro efetive negócios a partir de conversações possibilitadas pela cúpula em Brasília, será muito bom. Mas a tentação é dizer, sem trocadilho, que esses negócios serão subprodutos da reunião. As discussões para definir o teor e os termos do comunicado final, e o próprio comunicado, definem-se como questões, idéias e posturas de sentido essencialmente político, por mais que, em alguns casos, houvesse o esforço de deixá-lo no máximo subjacente.
As perspectivas dessa primeira cúpula, cujo anúncio de repetição no Marrocos também indica movimentos mais do que apenas comerciais, não devem mostrar-se já em futuro próximo. Mesmo as perspectivas preliminares são de difícil previsão, carência que se debita em grande parte à aversão do jornalismo brasileiro à substância, sempre atraído pelo sabor das fofocas. Esse jornalismo ocupou-se mais de Néstor Kirchner que dos assuntos que preencheram a cúpula, procurados de raspão e tratados em resumo. A propósito, o presidente Ricardo Lagos deixou a conferência no mesmo dia de Kirchner, mas sua retirada não mereceu atenção alguma. E, no entanto, o Chile tão alinhado economicamente aos Estados Unidos teve razões bem mais fortes que a Argentina de Kirchner, para desagradar-se com o desenrolar da reunião.
O que não se sabe nem se prevê não diminui a expressão da Cúpula América do Sul-Países Árabes. Original como iniciativa diplomática, pode criar uma presença nova, e necessária, na desbalanceada relação entre os ramais da política e da economia internacionais.
Para o Brasil patrocinador e para outros países sul-americanos foi uma afirmação de soberania, sabendo-se que variedade de implicações tem uma iniciativa -a rigor, uma tomada de posição- que fugiu ao admitido no círculo de influência dos Estados Unidos, sobretudo os Estados Unidos de Bush.
O governo Lula marcou um ponto valioso.
FOLHA DE S PAULO

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