IGOR GIELOW:Entre Cila e Caribdes

 BRASÍLIA - Na semana que chega ao fim apenas de forma temporal, já que deve continuar com as gravações vazadas pelo submundo, o governo Lula acumulou uma quantidade impressionante de más notícias.
Com a trilha sonora de um quebra-quebra entre polícia e sem-terra ao fundo, o governo viu uma denúncia de corrupção evoluir para uma conflagração generalizada no Congresso, garantindo a extrema-unção tardia para sua inexistente coordenação política. De quebra, a trovoada mensal do BC e a ameaça de uma tempestade feia na área agrícola.
Há crise institucional? Não, se é que a interdependência doentia entre os Poderes no Brasil não descaracteriza a própria idéia de "instituições". Mas a turbulência pode durar meses, vários meses. Neste período, provavelmente teremos novas cenas grotescas como as desta semana: deputados outrora combativos do PT aplaudindo o psicodrama de boteco do neopaladino Roberto Jefferson, tucanos e pefelistas acostumados a ser vidraça se divertindo no papel de pedra, senadores quase saindo no tapa como colegiais afoitos na hora do recreio.
Vai tudo ficar bem com uma ou várias CPIs, se é que elas sairão mesmo? Não necessariamente, pela experiência recente de instrumentalização política das comissões. Mas sempre há a possibilidade de uma depuração decorrente da exposição das vísceras da corruptível burocracia estatal. A incógnita é saber se algum dos lados agüenta um processo rigoroso até o final. Aposta: muito dificilmente.
Como o que está em jogo, acima de tudo, é a cadeira de Lula no ano que vem, resta ver como o presidente vai lidar com a crise. Como os marinheiros da "Odisséia", Lula está atravessando seu próprio estreito de Messina, aquele que, nos bons tempos, era habitado por um monstro de cada lado, Cila e Caribdes, que obrigavam os viajantes a incríveis manobras. Se optar pelo confronto aberto, pode acabar comido. Se mantiver seu autismo político, se afoga. Ao manter sua viagem para o Oriente, Lula navega mais perto da segunda opção.
folha de s paulo