CRISE PERUANA

Em mais uma manifestação da instabilidade que assola a América Latina, uma comissão do Congresso peruano recomendou o impeachment do presidente Alejandro Toledo, que é acusado de falsificar assinaturas para obter o registro do partido Peru Possível, pelo qual foi eleito em 2001. Em teoria, um processo de afastamento teria chances de prosperar. Toledo tem um dos mais baixos índices de popularidade do continente. Apenas 6% dos peruanos aprovam a sua gestão.
A maioria dos analistas, porém, considera remota a possibilidade de que o presidente venha a ser cassado. Para começar, resta-lhe apenas pouco mais de um ano de mandato. Substituí-lo agora implicaria grande esforço para uma recompensa relativamente pequena. Além disso, a impopularidade não afeta apenas Toledo, mas boa parte dos políticos, o que favorece o surgimento de um compromisso pelo qual situação e oposição evitam deflagrar um processo que ninguém sabe exatamente como pode terminar.
O mais paradoxal no quadro peruano é o fato de o governo, apesar da rejeição, poder apresentar taxas de crescimento econômico superiores a 4% nos últimos anos e algum sucesso na aplicação de programas sociais. Isso evidentemente não basta para resolver o problema da miséria no Peru, mas é suficiente para que as elites se sintam desestimuladas com uma aventura de desenlace incerto.
A situação peruana ilustra bem os problemas de uma América Latina onde as estatísticas constatam crescimento, mas cujas populações seguem no mesmo desamparo de sempre, e cada vez menos tolerantes com seus dirigentes. Não é um mero acaso que, nos últimos anos, manifestações tenham levado à deposição de nada menos do que cinco presidentes: Lucio Gutiérrez (Equador), Sánchez de Lozada (Bolívia), Fernando de la Rúa (Argentina), Alberto Fujimori (do próprio Peru) e Raul Cubas (Paraguai). Eles passam a ser sete se considerados os impeachments de Fernando Collor de Mello e Carlos Andrés Pérez (Venezuela).

EDITORIAIS DA FOLHA DE S.PAULO