"A grande reforma do ensino superior é a
reforma do ensino fundamental e do médio"
Os jornais denunciam que o Brasil se atrasou no seu ensino superior e que tal ou qual país está à nossa frente. As estatísticas mostram aqui uma porcentagem de matrículas no ensino superior de 9%, em contraste com taxas acima de 30% para o Chile, Peru e Argentina, sem falar nos Estados Unidos, com 80%. No mesmo fôlego, fala-se também de trinta candidatos por vaga, sugerindo uma oferta estrangulada. Mas é preciso entender o mundo, antes de querer reformá-lo. Raramente receitaremos os remédios certos se o diagnóstico estiver errado.
Os 9% de matrícula no ensino superior só mostram a metade dos alunos, pois correspondem à taxa líquida, isto é, aos alunos que estão cursando o superior na idade esperada. Falta contar os alunos mais velhos que voltaram a estudar. Com eles, a taxa (bruta) salta para 20% (baixa, mas já próxima da de alguns países semelhantes ao nosso).
Tampouco a relação candidato/vaga no ensino público demonstra a falta de vagas, pois está inflada pelos alunos que fazem várias vezes o mesmo vestibular nos cursos mais cobiçados. Igualmente, um aluno que faz cinco vestibulares entra nas estatísticas como cinco candidatos. E, mesmo nas universidades públicas, há cursos com mais vagas do que candidatos. As particulares pedem mais vagas do que precisam, com medo de ver negados os pedidos e para não ter de voltar ao MEC. Daí a sobra aparente. Na verdade, o que sobra não são vagas, mas licenças para crescer, pois não há nem professores nem espaços ociosos. Em conclusão, o número total de vagas não mede nada.
O que interessa é a transição entre o ensino médio e o superior, isto é, a proporção de graduados do ensino médio absorvidos pelo superior. Seria correta a acusação de atrofia no ensino superior se houvesse um estreitamento brusco nessa transição, mostrando muitos alunos potenciais sendo barrados pelo gargalo do ensino superior.
Mas não é assim. No início da década de 90, havia cerca de oito alunos entrando no ensino superior para cada dez formados no ensino médio. Era uma taxa de transição mais alta do que a dos Estados Unidos. Somente com a explosão do ensino médio – quase triplicado a partir de 1995 – é que chegamos a uma situação em que de cada dois formados um entra no ensino superior. Essa é a taxa usual nos países industrializados.
Historicamente, o entupimento do ensino fundamental fez empacar o ensino médio. Sem "matéria-prima", o ensino superior não podia crescer. Quando o ensino fundamental se expandiu, o médio teve mais alunos e passou a alimentar o crescimento do superior.
Ou seja, o ensino superior só poderá crescer mais e ter o porte que apresenta em outros países mais avançados se for abastecido por mais alunos se formando no ensino médio. Para tanto, o ensino médio precisa de mais alunos se formando no fundamental. Não é possível inventar alunos para entrar no superior. Seu crescimento é bloqueado pelos níveis inferiores.
O mesmo raciocínio é válido com relação à qualidade. Sabemos pelas pesquisas de valor adicionado (realizadas em Minas Gerais) que 80% das pontuações no Provão são explicadas pelo que os alunos sabiam ao entrar no ensino superior. Ou seja, dos resultados explicados estatisticamente, somente 20% se devem à excelência da faculdade cursada. Se quisermos qualidade no ensino superior, 80% das mudanças devem focalizar os níveis que vêm antes. Por conseqüência, as políticas de eqüidade no vestíbulo do superior são tardias e quase inócuas. A devastação dos mais pobres já foi feita, pela má qualidade das escolas. Nem os ricos escapam. Provas internacionais (Pisa) nos mostram que nossa elite entende menos o que lê do que filhos de operários americanos.
Portanto, os que reclamam da matrícula reduzida e da falta de qualidade do ensino superior deveriam se preocupar com os níveis que vêm antes. No fim das contas, grande parte dos problemas do ensino superior – em particular seu pequeno porte e a sua fraca qualidade – se explica pelas deficiências dos níveis que o abastecem de alunos.
A grande reforma no ensino superior é a melhoria do fundamental e do médio. "Tudo começa com uma boa base. O edifício logo terá rachaduras se os alicerces não forem sólidos" (Nizan Ganjevi, Azerbaijão, século XII).
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