Entrevista:O Estado inteligente

domingo, fevereiro 13, 2005

VEJA on-line Tales Alvarenga Carnaval virtual

"Vendo o Carnaval pela televisão, com todas aquelas celebridades nos carros alegóricos e nos camarotes, o brasileiro tem a ilusão de que o país inteiro está metido na fuzarca. Não está"

Se eu fosse chamado a organizar o Carnaval, começaria por dispensar os sambistas que desfilam como se estivessem fazendo ginástica aeróbica na avenida, como bem definiu o presidente da Portela, Nilo Figueiredo. Os "estrangeiros", que hoje lotam a passarela depois de comprar a fantasia no morro, estragam metade da festa.

Eu proibiria as alas de aparecer com qualquer tipo de chapéu, capacete ou coroa na cabeça. Essas coisas tendem inexoravelmente a desabar. Outra coisa incômoda é a qualidade artística daquelas figuras de tigres que se mexem, dragões que põem fumaça pelas narinas e águias de asas quebradas. Essas esculturas, moldadas com estética primitiva, são grotescas.

Como nos shows musicais da Broadway, é preciso ter no Carnaval gente que saiba dançar, cantar e compor direito. Os sambas-enredo de hoje são deploráveis. Finalmente, está na hora de organizar o barulho. Há percussão demais. Eu baixaria o tom da percussão e incluiria instrumentos que fazem melodia de verdade. O Carnaval é uma bela festa, mas tem falhas. Está na hora de corrigi-las.

Para os intelecas que gostam de analisar o Carnaval, ele é a representação da alma brasileira. É a prova de que o habitante do patropi é desinibido e não sofre as repressões sexuais dos branquelos europeus. No Carnaval, um clima de alegria pagã envolveria os foliões. Normas sociais seriam subvertidas e desapareceriam as marcações entre pobres e ricos, brancos e negros, proletários, bicheiros e artistas.

A verdade é que esse era o Carnaval até meados do século passado, num país rural, analfabeto e ingênuo. Todo mundo saía à rua e se misturava. Aceitava-se que o folião vestido de mulher desse umbigada em madame e o garoto pobre jogasse talco na cabeça do doutor.

O Carnaval de hoje, fechado nos sambódromos ou nos circuitos de rua preestabelecidos, é a festa de um país industrializado. Nada tem de ingênuo. Por trás das escolas de samba, há planejamento. Por isso, todas elas parecem ter saído do mesmo molde. A semelhança de umas com as outras torna um pouco entediante ver os desfiles.

Em Salvador, onde o Carnaval tem participação maior do povão, ele já se transformou em show musical puro e simples. Cantores como Daniela Mercury e Ivete Sangalo passam cantando no alto de enormes caminhões (palcos) com conjunto de som em que dominam as guitarras elétricas. Nada de passista, bateria ou fantasia. Esse estilo foi criado lá pelo meio do século passado pela dupla Dodô e Osmar. Inventaram o trio elétrico – cujo nome já diz tudo.

Vendo o Carnaval pela televisão, com todas aquelas celebridades nos carros alegóricos e nos camarotes, o brasileiro tem a ilusão de que o país inteiro está metido na fuzarca. Não está. De um lado, um grupo apresenta seu número. Do outro, milhões assistem na sala de TV.

O Carnaval é hoje uma realização profissional que envolve planejamento, gastos, patrocínio e direção. Como qualquer espetáculo, empreendimentos assim tendem a ir se livrando de sua espontaneidade de origem. Isso não significa que o Carnaval esteja pior. Ficou apenas diferente. Não vivemos mais no país do Carnaval. É apenas um país com Carnaval

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