Entrevista:O Estado inteligente

domingo, fevereiro 13, 2005

VEJA on-line Diogo Mainardi Carnaval é só Carnaval



"Ficam tentando interpretar o verdadeiro
significado do Carnaval. Um dia alguém
precisa acabar com essa empulhação toda.
Alguém precisa contar para a velharia que
suas idéias foram enterradas 100 anos atrás"

A gente gosta de uma velharia. Arnaldo Jabor tem idéias velhas. Roberto DaMatta tem idéias velhas. Affonso Romano Sant'Anna tem idéias velhas. Eles todos ficam fazendo elucubrações sobre o Carnaval. Eles todos ficam tentando interpretar o verdadeiro significado do Carnaval. Como se o Carnaval tivesse algum significado. Como se revelasse o que realmente somos. Um dia alguém precisa acabar com essa empulhação toda. Alguém precisa contar para a velharia que suas idéias foram enterradas 100 anos atrás.

O Carnaval é só o Carnaval. Não revela a alma do brasileiro, o espírito do brasileiro, o caráter do brasileiro. Alma não existe. Espírito não existe. Caráter nacional não existe. Está na hora de parar com essas baboseiras. A velharia deve entender que não somos abstrações. Até quando teremos de ouvir, por exemplo, que o Carnaval representa o triunfo de nossa utopia sexual? Sexo é igual em todo lugar. O que se faz aqui em matéria de sexo não é diferente do que se faz no resto do mundo. Exceto pela prostituição. Exceto pela cafetinagem. Arnaldo Jabor continua a repetir aquela velha balela sobre o estupro colonial de que o sexo, no Brasil, é sem culpa e santificado, enquanto nos Estados Unidos é puritano e doentio, tanto que descambou, segundo ele, na aids. A aids, que eu saiba, não surgiu nos Estados Unidos, e sim na África, porque o pessoal de lá comia macacos. Não tenho nada contra quem come macacos, mas é melhor evitar confusões.

A antropologia arruinou o Brasil. Até hoje os brasileiros são vistos como índios. A velharia descreve o Carnaval exatamente como Lévi-Strauss descreveria um rito de puberdade nambiquara. Com o futebol acontece a mesma coisa. Todos os cacoetes antropológicos são aplicados em sua análise. O problema é que em nenhuma hipótese o futebol deve ser analisado. Ele não significa nada. É um esporte. Só um esporte. Merece, no máximo, uma mesa-redonda na televisão, no domingo à noite, para discutir o impedimento do lateral direito do União São João. Claro que não há nenhum problema em gostar de futebol. Eu gosto muito. Não perco um jogo. Chego a acordar mais cedo para assistir a uma pelada da seleção brasileira contra o time de Hong Kong. Admito que alguém brigue por causa de uma partida. Admito até mesmo que uma partida possa desencadear uma guerra civil, como ocorreu na Iugoslávia. É um motivo tão válido como qualquer outro. Dá para matar por causa do futebol. O que não dá para fazer é usá-lo como metáfora da nacionalidade.

Eu passaria o dia todo vendo o Robinho bater bola. Só não aceito que ele seja transformado num símbolo da mistura racial brasileira, da capacidade de improvisação brasileira, da ousadia brasileira. Robinho não é símbolo de nada. Não é emblema de nada. Até porque sempre demonstramos ser o contrário disso tudo: somos preconceituosos, conformistas e reverentes. A velharia tem o vício fascistóide de folclorizar o país. Eu não quero ser folclorizado. O passo seguinte à folclorização é o óleo de rícino.

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