Entrevista:O Estado inteligente

domingo, fevereiro 13, 2005

Folha de S.Paulo - 13/02/2005

Folha de S.Paulo - Editoriais- 13/02/2005

By ArchIvo

O FIM DA "ERA ROOSEVELT"

Há quatro anos, quando o governo Bush anunciou seu agressivo programa de cortes de impostos e começou a aumentar dramaticamente os gastos militares, muitos analistas alertaram para o perigo de que essas iniciativas se traduzissem em desequilíbrio das contas públicas. O risco era que, somado ao déficit das contas externas norte-americanas, o desajuste fiscal contribuísse para um acentuado enfraquecimento do dólar. A realidade, está claro, confirmou os prognósticos.
Alguns críticos, todavia, entre os quais o economista Paul Krugman, iam além. Em primeiro lugar, salientavam o caráter concentrador de renda dos cortes de impostos, que beneficiaram de maneira mais intensa as camadas ricas da sociedade. Em segundo lugar, alertavam para a possibilidade de que o expansionismo fiscal de Bush previsse uma ambiciosa agenda subjacente de reformas voltadas para o desmonte da rede de proteção social do Estado de Bem-estar em sua versão norte-americana.
O argumento desses críticos era que a administração Bush não desconhecia o impacto adverso que suas iniciativas teriam sobre a saúde fiscal do país. Pelo contrário: o enfraquecimento das finanças públicas seria o passo que antecederia uma posterior aprovação das reformas preconizadas pelas alas mais ortodoxas -e ultraliberais- do partido Republicano. O desequilíbrio fiscal, em grande parte justificado pela guerra ao terrorismo, caracterizaria uma situação de emergência que enfraqueceria as resistências dos parlamentares às propostas do Executivo.
Recebido de início com reservas por muitos analistas, por soar conspiratório, é provável que o argumento encontre agora maior acolhida. Pois a proposta de Orçamento recentemente apresentada, além de reconhecer a necessidade de dar início a um ajuste fiscal, sugere que ele seja feito por meio de cortes agressivos de gastos em programas sociais, mantendo intocadas -ou ainda maiores- as despesas militares.
O símbolo dessa ofensiva é o desejo da Casa Branca de privatizar em parte o sistema de Previdência dos EUA -medida que, de resto, tem sido debatida e implantada em diversos países. Tornando a polêmica proposta mais palatável, o grande volume de recursos fiscais requeridos para financiar a transição para o novo regime previdenciário não foi incluído na proposta de Orçamento, a exemplo dos gastos militares extras com o Iraque e o Afeganistão.
Essas omissões deixam dúvidas quanto ao real empenho do governo Bush em promover um rigoroso ajuste fiscal. O que está claro é o propósito do presidente de minar os princípios de atuação do Estado lançados pelo presidente Franklin Roosevelt, no bojo do "New Deal", quando os EUA procuravam superar a mais grave crise de sua história -a Grande Depressão de 1929.

DISPUTA NA CÂMARA

A acirrada disputa pela presidência da Câmara dos Deputados, cuja eleição acontece amanhã, conferiu ao processo de escolha do parlamentar que comandará a Mesa da Casa uma visibilidade possivelmente inédita. Até mesmo um debate entre os candidatos, nos moldes dos organizados durante as campanhas eleitorais para o Executivo, aconteceu durante a semana.
Tamanha projeção deve-se muito ao fato de que dois dos principais postulantes são filiados ao Partido dos Trabalhadores, circunstância que expõe uma cisão interna e alimenta especulações sobre os desdobramentos da eleição. Como se sabe, o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (SP) foi o nome indicado pela bancada partidária com apoio do Planalto, enquanto Virgílio Guimarães (MG) apresentou-se como candidato alternativo. A candidatura de Guimarães, que chegou a ser o preferido de João Paulo Cunha, atual presidente da Câmara, é em grande parte expressão das insatisfações fisiológicas da base governista. O fisiologismo, aliás, tem sido uma das características das campanhas e deverá ser um fator decisivo na votação.
Embora contrariada com a dissidência, a cúpula petista preferiu cautelosamente evitar ameaças a Virgílio, mesmo porque não está afastada a possibilidade de que ele vença a eleição. Essa hipótese -ou a improvável derrota de Greenhalgh para outro candidato- representaria uma derrota política para o comando petista e para o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva num período em que o governo atua pesadamente para consolidar sua base de apoio no Legislativo e para montar seus "palanques" com vistas às eleições de 2006.
No que tange à realidade da Câmara, a disputa vai servindo para chamar a atenção para temas que, embora conhecidos, são com freqüência relegados a segundo plano -como os gastos exorbitantes da Casa com sua estrutura administrativa e com os benefícios e salários pagos aos parlamentares.
Outro aspecto relevante reavivado pelos debates é o funcionamento das diversas comissões da Câmara, a começar pela mais polêmica delas, a responsável pelo Orçamento. Foco histórico de irregularidades, os sinais são de que ali continua a prosperar a troca de favores e benesses, em sistemático desrespeito à ética e aos princípios republicanos. Verbas são disputadas, oferecidas e negadas de maneira nem sempre clara e legítima, dando margem a suspeitas de prática de chantagens e corrupção. Ao que parece, os efeitos do célebre escândalo dos "anões do Orçamento", que veio à luz na década passada, já se dissiparam, e os métodos da comissão precisam ser urgentemente submetidos a um regime de mais controle e transparência.
O fato de que essas questões tenham sido debatidas publicamente é positivo, mas é difícil deixar de observar com ceticismo as perspectivas de mudança. Há na Câmara uma rede de cumplicidade e dependência mútua que, ao lado de uma série de mecanismos internos de poder, diminui as chances de que reformulações significativas ocorram.
A experiência já demonstrou que são as pressões da sociedade, muito mais do que promessas de candidatos que precisam de seus pares para conquistar postos de comando, o principal indutor de mudanças no comportamento do Legislativo.


  • Publicadoem: Sun, Feb 13 2005 8:29 AM

Folha de S.Paulo - 13/02/2005

By ArchIvo



  • Publicadoem: Sun, Feb 13 2005 8:28 AM

Folha de S.Paulo -CLÓVIS ROSSI Missa de réquiem - 13/02/2005

By ArchIvo

SÃO PAULO - O padre estranhou quando foi procurado por um jovem da periferia (de São Paulo) que queria se confessar. Não é comum, hoje, que jovens se confessem. Acho até que nem os mais velhos se confessam, mas essa é outra história.
"Padre, tive uma oferta de emprego para ganhar R$ 350", começou a contar o jovem. "Que bom", festejou o padre. "Acontece que não pude aceitar, porque ganho R$ 800 como "avião" do tráfico. Fiquei com dor de consciência e vim me confessar", encerrou o jovem.
Se os jovens da periferia (em São Paulo ou em outras cidades brasileiras) tivessem o hábito de se confessar regularmente, os confessionários da pátria se transformariam em missa de réquiem para as políticas sociais e de desenvolvimento dos últimos muitíssimos anos (séculos, talvez).
É simplesmente impossível construir um país civilizado quando o crime compensa. Em especial se compensa bem mais que outras atividades remuneradas ao alcance de jovens de pouca ou nenhuma qualificação profissional (note o leitor que o tráfico paga mais que o dobro em relação à colocação oferecida ao jovem do confessionário).
Pior: quem lida com esses jovens conta que eles têm perfeita noção de que morrerão cedo. Não lhes importa: preferem viver com algum dinheiro o pouco tempo que lhes é concedido do que arrastar-se na pobreza que é tudo o que conhecem do país digamos "normal".
É uma inversão absoluta de comportamento: jovem, em qualquer lugar do mundo, foi feito para se achar imortal, não para imaginar a morte na primeira curva.
Acaba sendo natural que considere a vida barata, a dele e a dos outros.
Para esse horror sem fim, só mesmo Deus talvez tenha solução. Porque os humanos que habitamos a pátria já perdemos a guerra faz tempo.

  • Publicadoem: Sun, Feb 13 2005 8:27 AM

Folha de S.Paulo -ELIANE CANTANHÊDE: Agora ou nunca - 13/02/2005

By ArchIvo

BRASÍLIA - O presidente do TRE de Roraima, desembargador Mauro Campello, é suspeito de descontar parte dos salários de funcionários e desviá-los para as contas da mulher e da sogra. A PF prendeu uma meia dúzia de pessoas por lá.
Feio, não é? Mas está longe de ser uma exclusividade do TRE da longínqua Roraima. Ao contrário, parece ser uma espécie de prática comum em diferentes Estados e instâncias de poder, inclusive no Congresso Nacional. A Folha até já fez reportagens a respeito, e ficou por isso mesmo.
Como as eleições para as presidências da Câmara e do Senado vão ser amanhã, com a renovação das duas Mesas, não custa alertar que esse tipo de coisa que "todo mundo faz" anda dando cadeia na região Norte. Vai que a moda pega no cerrado...
Há um certo frisson com a vitória já anunciada do polêmico peemedebista Renan Calheiros no Senado e com a disputa ferrenha na Câmara entre dois petistas, o paulista Luiz Eduardo Greenhalgh, candidato oficial do PT e ostensivo do Planalto, e o mineiro Virgílio Guimarães, avulso.
Dúvida: por que, apesar de avulso, Virgílio ocupa tanto espaço? Como o PSDB não tem se metido muito e o PFL tem até nome próprio (o baiano José Carlos Aleluia), a resposta está nos governistas -uns são contra o estilo Greenhalgh, outros, contra o PT, e muitos, contra o Planalto. Isso costuma deixar seqüelas.
O que importa, porém, é a instituição. Greenhalgh deve ganhar, mas, assuma quem assumir, é bom ficar de olho em práticas como verbas que são para uma coisa e vão para outra, salários que são de funcionários e vão para mulheres e sogras, gente que deveria trabalhar em Brasília e mora a milhares de quilômetros da capital.
No Senado, não se anime. Mas o PT tem o Executivo, deve ter mais uma chance na Câmara e toda a mágica do partido que completa 25 anos está justamente nisso: em ser diferente e vir para mudar. Que ponha as barbas de molho.
É agora ou nunca.

  • Publicadoem: Sun, Feb 13 2005 8:26 AM

Folha de S.Paulo -ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES A esquecida malha ferroviária brasileira- 13/02/2005

By ArchIvo

A queda da ponte da rodovia Regis Bittencourt em Campina Grande do Sul (PR), a subseqüente interrupção da estrada por mais de dez horas devido a deslizamento de terra em Miracatu (SP) e as crateras que dominam toda a malha rodoviária federal puseram em evidência a precaríssima situação do nosso transporte rodoviário.
Escrevi nesta coluna uma série de artigos antecipando os lamentáveis fatos ocorridos e enaltecendo a necessidade de levar a sério os investimentos em infra-estrutura. Mais grave, escrevi também, em 1994, a respeito da lamentável situação do transporte ferroviário ao registrar que o Brasil possuía, naquele ano, apenas 30 mil quilômetros de ferrovias, enquanto o minúsculo Japão tinha 43 mil quilômetros, a França (do tamanho de Minas Gerais) tinha 35 mil quilômetros, a China, quase 60 mil quilômetros, a Índia, 62 mil, e os países da ex-União Soviética tinham 150 mil quilômetros de ferrovias.
Ressaltei o absurdo de um país continental como o Brasil ter a metade da rede ferroviária da Índia. Passados dez anos, a Agência Nacional de Transportes Terrestres diz que esse número desceu para 29 mil quilômetros, e uma reportagem do jornal "O Estado de S. Paulo" (10/2) registrou apenas 28 mil quilômetros.
Com tanta necessidade de transporte barato, especialmente para cargas pesadas e de baixo valor agregado, o Brasil transporta apenas 20% de sua produção através das suas ferrovias. Isso já fora visto por Irineu Evangelista de Souza -o visconde de Mauá-, que, em 1854, bancou pessoalmente o custo da primeira ferrovia -de 18 quilômetros-, a Rio-Petrópolis, e, em seguida, associou-se com os ingleses para construir mais três projetos ousados: a ferrovia Recife-São Francisco, a Dom Pedro 2º (depois Central do Brasil) e a São Paulo Railway (rebatizada de Santos-Jundiaí).
Quando Mauá começou esses empreendimentos, os Estados Unidos já possuíam 40 mil quilômetros de estradas de ferro. Hoje, têm mais de 200 mil, e o Brasil baixou para 28 mil. Isso não tem cabimento...
Argumenta-se que o custo de construção de uma ferrovia é muito alto. Mas quem assim pensa desconsidera as despesas de uma rodovia. O transporte por automóvel ou caminhão é altamente subsidiado. Os usuários não pagam tudo o que usam e ocasionam nas estradas, mesmo nas pedagiadas. O uso de veículos automotores gera inúmeras despesas indiretas, como o policiamento, os serviços de emergência, a engenharia de tráfego, a recuperação dos feridos, o provimento de espaço para estacionamento, o congestionamento e a poluição, sem contar as vidas que se perdem nos milhares de acidentes. Os Estados Unidos estimam esses custos em US$ 300 bilhões por ano!
Não há a menor dúvida. Precisamos recuperar a precária malha rodoviária. E com urgência. Mas não podemos continuar sem metas no campo ferroviário. Não podemos assistir passivamente ao encolhimento da já ínfima rede ferroviária do país.

  • Publicadoem: Sun, Feb 13 2005 8:25 AM

Folha de S.Paulo - Janio de Freitas: O sigilo da liberdade - 13/02/2005

By ArchIvo

Exceto na ditadura, jamais um presidente da República e um governo interferiram tanto e tão abertamente na Câmara dos Deputados para eleger, ou tentar fazê-lo, o novo presidente da Casa. Apesar disso, todos os indícios são de que o governo só não sairá derrotado, amanhã, se a oposição não quiser. O que pode ser dito de maneira mais realista: se deputados da oposição (PSDB, PFL, PDT, PPS e parte do PMDB) praticarem em excesso o que, nas eleições aqui fora, é considerado crime eleitoral punível até com cadeia. Na vida parlamentar brasileira, como se sabe, é usual e é impunível.
Normal no Brasil, e jornalisticamente correta, seria um escândalo gravíssimo em democracia de razoável decência esta manchete no "Globo" de anteontem: "Lula convoca ministros para eleger Greenhalgh". Com o subtítulo esclarecedor e não menos eloqüente: "Diante do risco de a votação ir a segundo turno, governo decide intervir para garantir vitória do candidato oficial".
Já no seu artigo segundo, a Constituição determina a independência dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário como premissas do regime democrático. E a quem cabe o dever institucional de zelar por tal independência? Diz a Constituição, lá onde se definem certas responsabilidades fundamentais da democracia: "Art. 85 - São crimes de responsabilidade os atos do presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: (...) II- O livre exercício do Poder Legislativo".
Esse livre exercício não se restringe aos discursos e às votações. O presidente da Câmara, por exemplo, tem poder para conduzir a pauta dos trabalhos, convocar sessões, protelá-las ou suspendê-las, entre muitos atos com influência direta a favor ou contra o desejado pelo presidente da República e pelo governo. A importância da presidência da Câmara (como também a do Senado) para haver, ou não, "livre exercício do Poder Legislativo" comprova-se na própria intervenção do presidente da República para eleger quem lhe pareça de obediência assegurada.
No panorama político do governismo evidenciou-se a indignação contra os ministros pouco animados com a convocação de Lula para entrarem no que é chamado, sem cerimônia, de "mutirão da vitória" do governo. Além, no entanto, de mobilizar pressões e dos atrativos usuais para conquistar deputados, o Planalto conta com dois auxílios importantes. São as candidaturas ditas oposicionistas de Severino Cavalcanti e Luiz Carlos Aleluia, pefelista baiano notabilizado à época dos "anões do Orçamento".
Cada voto em um desses dois é voto quase sempre desviado de Virgílio Guimarães, o petista que ousou desafiar o governo e lançar-se candidato, ao constatar que gente do Planalto e o comando do PT agiram sobre a bancada petista, contra o acordo entre seus possíveis candidatos. O grupo do Planalto e o comando do PT querem um do seu círculo paulista na presidência da Câmara, e Virgílio Guimarães, embora do PT histórico, é de Minas.
O problema do governo, seja no primeiro turno de amanhã ou no eventual segundo turno, é o método regimental da eleição: o voto é secreto. Logo, muitos dos aparentemente conquistados podem votar para contra o predomínio excessivo que o governo e os controladores do PT buscam sobre a vida política.
Em contraposição ao problema do governo, o voto secreto, protegido de represálias, é a única e remota esperança do "livre exercício", referido pela Constituição, na eleição da Câmara.

  • Publicadoem: Sun, Feb 13 2005 8:23 AM

Folha de S.Paulo - Elio Gaspari: Santo Dias no jubileu do PT - 13/02/2005

By ArchIvo



O comissariado petista não festeja 25 anos, comemora jubileu. Todo José Genoino tem seu dia de Rainha Vitória. Há o PT do doutor Antonio Palocci, o do tesoureiro Delúbio Soares e o do companheiro Lula. O que fazem juntos, ninguém sabe direito. Como parte das comemorações do jubileu, os companheiros federais poderiam gastar um dinheirinho (ou fazer uma PPP) para distribuir a cada militante do Partido dos Trabalhadores um exemplar do livro "Santo Dias - Quando o Passado se Transforma em História", de Luciana Dias, Jô Azevedo e Nair Benedicto.
Santo Dias foi um roceiro que virou metalúrgico, líder comunitário e ativista sindical. Morreu num piquete de greve, com um tiro nas costas, no dia 30 de outubro de 1979. Matou-o um PM. Lula teve oferecida a caneta de Santo para assinar o termo de posse na Presidência da República. Quis o destino que, acidentalmente, aceitasse outra, do senador Ramez Tebet, leal governista desde os anos 70.
Se a biografia de Santo Dias ficasse apenas na sua comovente história talvez fosse uma leitura repetitiva. Em matéria de herói popular, já há Lula. Santo foi um católico no meio de uma geração de padres e freiras que ajudaram a mudar a cara do andar de baixo do Brasil. Mobilizou os moradores de bairros sem escolas, transportes ou postos de saúde. Aqueles trabalhadores da periferia que não conseguem escrituras de posse de suas casas. Sua história ajuda a pensar outros tempos, mas como o PT-Federal só pensa no futuro, o passado chega a ser uma impertinência.
Em plena ditadura, Santo Dias ajudou a criar um sentido de comunidade no bairro de Vila Remo, na zona sul de São Paulo. Ao lado, está Jardim Ângela. Pode-se dizer que uma comunidade retratou a periferia dos anos 70. A outra, retrata a de hoje.
Na sua primeira e melhor metade, o livro "Santo Dias" mostra o que os militantes do andar de baixo conseguiram a partir dos anos 60. Mostra também o que a militância do andar de cima, obteve a partir dos 80, em boa parte graças àquilo que o FMI chama de "forças não competitivas" do setor financeiro. Vila Remo testemunhou êxitos populares. Jardim Angela, ruína.
Ouça-se o padre Jaime Crowe, da Paróquia Santos Mártires:
"Em 1983, começa a onda de desemprego da crise econômica. O Jardim Ângela se fez das indústrias. (...) Com a saída dessas empresas na década de 1990, os bairros se empenharam numa luta pela sobrevivência sem igual e violenta, por conta do tráfico, da competição e da sociedade de consumo. O tráfico se instalou como opção de trabalho. (...) Constatamos (em 1998) que tem um bar para cada dez moradores, vendendo bebida alcoólica. O pessoal tem de trabalhar em algo e a falta de perspectivas alimenta o alcoolismo. Na rua em que moro, em 2002, um rapaz chamado Sérgio foi morto. Tinha 20 anos. O irmão dele, Moso, de 17 anos, já vivia de pequenos furtos, essas coisas. No dia seguinte, na hora de encomendar o corpo no cemitério São Luiz, o Moso falou assim pra mim: "Ele está melhor que eu", na frente do caixão. Quando faltava um dia para completar um ano da morte do irmão, eu encomendei o corpo do Moso. Quais perspectivas existem para essa juventude aqui?".
Luciana Dias, co-autora do livro, é filha de Santo. Tinha 12 anos quando um padre foi buscá-la na escola e o irmão mais velho, Santinho, contou-lhe: "Nosso pai morreu". Luciana formou-se em pedagogia pela PUC. Santo Dias Filho cursou o Senai e chegou ao segundo ano de engenharia metalúrgica. Desempregado, deixou a escola porque não tinha como pagar a mensalidade.
Lula foi ao enterro de Santo e discursou no cemitério: "Se os patrões pensam que, com a morte de Santo, os trabalhadores iriam ficar com medo, estamos aqui para mostrar que isso não aconteceu".
Pena, mas Santo Dias não entrou na cronologia que o PT colocou na internet como parte das comemorações do jubileu. Operário para entrar na história do Brasil, nem morrendo a bala.

Mantega na fritura
Em meados de janeiro, quando o secretário do Tesouro, Joaquim Levy, defendeu a subordinação da taxa de juros camarada do BNDES (pode me chamar de TJLP) ao Banco Central, Guido Mantega, presidente do velho e bom BNDES, foi categórico: "A opinião do Levy não tem peso nenhum". Na semana passada, Levy defendeu novamente o alinhamento da TJLP ao humor do Copom. Mantega voltou a contestá-lo. Pode ser coincidência, mas esse tipo de saia justa tem a marca registrada da ekipekonômica fritando seu adversário da vez. A coisa funciona assim: 1) Juntam-se opiniões de pessoas qualificadas condenando uma determinada política como asnática. (O que não quer dizer que o seja, mas também não significa que não o seja. Indica apenas que pessoas respeitáveis condenam-a.) 2) Somam-se observações de técnicos internacionais, de preferência do FMI, na mesma direção. Obtido o verniz intelectual-cosmopolita vai-se à última etapa e cria-se uma simulação de confronto. Armado o choque interministerial ou disciplinar, o presidente da República, constrangido, frita seu aliado. Foi assim com Carlos Lessa em 2004, com Andrea Calabi em 2002 e com Clóvis Carvalho em 1999. Querem fritar o banqueiro-companheiro Guido Mantega.

Condy 2008
O Partido Democrata e a galera que detesta o presidente George Bush II sonha com um candidato capaz de acabar com o predomínio do Partido Republicano nos Estados Unidos. Pode ser um negro (o senador Barack Obama) ou uma mulher (a senadora Hillary Clinton). Bingo. Bush está criando o dois-em-um: Condoleezza Rice. É mulher, negra, toca piano, tem mais experiência que Obama e muito (mas muito) mais charme que Hillary. Com seu jeito de secretária-executiva do anos 50, ela é tudo o que o general Colin Powell não conseguiu ser.

  • Publicadoem: Sun, Feb 13 2005 8:22 AM

Folha de S.Paulo - - Rubens Ricupero: Nasce uma estrela - 13/02/2005

By ArchIvo



Em menos de 12 meses, três acontecimentos portentosos se reforçaram uns aos outros para revelar que o sistema internacional começa a mudar em sua mais decisiva estrutura, por obra da unificação e da expansão da Europa.
O primeiro foi a consolidação do euro como a outra grande moeda universal de reserva, ao lado do dólar.
O segundo foi a conclusão com êxito do complicado projeto de ampliação a 25 países da União Européia, com a incorporação de dez membros, aumento de dois terços em relação à composição anterior.
Ainda mais desafiador foi o terceiro, a aprovação da Constituição Européia, que institucionaliza e dá consistência jurídica ao novo astro que se eleva no firmamento.
Cada um desses fatos mereceria, sem exagero, a qualificação de histórico. É apenas o embotamento dos nossos sentidos, insensibilizados pelo excesso de pimenta de eventos espetaculares -a queda do Muro de Berlim, os atentados do 11 de Setembro, a invasão do Iraque-, que nos impede de perceber a verdadeira hierarquia dos acontecimentos. No futuro, ao escrever-se a história dos tempos que correm, é provável que as etapas da unificação da Europa apareçam como de efeitos muito mais duradouros que a violência do terrorismo ou do seu contrário. Da mesma forma que para nós, hoje, a unificação da Alemanha e da Itália, no século 19, ofusca por completo a lembrança da Guerra da Criméia ou dos atentados anarquistas.
Quem duvida da afirmação deve refletir um pouco sobre a raridade de cada um desses fenômenos. O surgimento de uma segunda moeda mundial de reserva é, por exemplo, fato inédito desde os acordos de Bretton Woods, em 1944, há mais de 60 anos, portanto, posto que o iene japonês jamais passou de promessa e nunca alcançou a universalidade. A façanha é mais notável ainda por não se tratar da elevação de moeda nacional já consagrada como o marco alemão, o franco francês ou a libra britânica, mas de moeda de invenção fresca, introduzida poucos anos atrás em meio a incerteza e administrada pelo Banco Central Europeu com poderes supranacionais, que se superpõem às vezes aos interesses divergentes dos Estados-membros.
Desse ponto de vista, é caso único, pois todas as outras grandes moedas -o dólar, a libra, o iene, o franco suíço- são governadas por bancos centrais de países há muito unificados, cujos elementos componentes -Estados federados, reinos unidos, Cantões confederados- perderam a soberania ou nunca a tiveram. O aspecto não é de pouca monta, sabendo-se que soberania e moeda em geral andam juntas. Não é por outra razão que, no passado, os ingleses chamavam sua moeda de "sovereign".
Eu poderia, se tivesse espaço, repetir essa demonstração de raridade para a aglutinação, sem precedentes, em uma só unidade, de 25 países completamente diferentes em língua, cultura, história, chegando às fronteiras da Rússia e às estepes da Ásia. É extraordinário que, mesmo depois dessa expansão, o potencial de crescimento esteja longe de exaurir-se, faltando agregar a Romênia, a Bulgária, a Turquia, quase todas as nações nascidas da decomposição da Iugoslávia, além de Moldova e Ucrânia, remanescentes do império soviético. Como entender que povos tão diversos, poloneses ou irlandeses de intenso nacionalismo, com feridas não-cicatrizadas deixadas pela história, aceitem abrir mão de boa parte da soberania mesmo agora, quando desapareceu a ameaça soviética que antes justificava a unificação?
Uma das explicações, não exclusiva por certo, é que, no seio da UE, o equilíbrio entre Alemanha, França e Reino Unido afasta o receio de ser esmagado por um gigante hegemônico, o que ocorreria, sem dúvida, numa integração dos latino-americanos com a superpotência dominante, os Estados Unidos. Indício a mais das vantagens do equilíbrio em qualquer sistema internacional.
Em 1905, exatamente cem anos atrás, os americanos inauguravam, com a mediação de Theodore Roosevelt na Guerra Russo-Japonesa, sua inexorável ascensão como astro destinado à hegemonia indiscutível de que hoje desfrutam. Para os contemporâneos, obcecados com as bravatas do kaiser e os intrincados jogos de poder entre França, Alemanha, Reino Unido, Rússia, Áustria-Hungria, o aparecimento desse jovem sol no horizonte passou quase despercebido. Não assim para o Barão do Rio Branco, a cuja perspicácia de observador experimentado não escapou o incipiente fenômeno, que descreveu nos seguintes termos em despacho à nossa representação na capital americana: "A verdade é que só havia grandes potências na Europa, e hoje elas são as primeiras a reconhecer que há no Novo Mundo uma grande e poderosa nação com que devem contar".
O mérito do Barão foi não só ter detectado a transformação nascente mas haver agido em conseqüência. Com rapidez, deslocou o eixo da diplomacia brasileira de Londres para Washington, nomeando Joaquim Nabuco para chefiar a primeira de nossas representações em nível de embaixada. Eram raras, na época, as embaixadas, e nos EUA havia apenas sete, das quais a mexicana era a única da América Latina, não existindo nenhuma até então no Rio de Janeiro. Por esse gesto simbólico, Rio Branco preparou a aproximação, que viria mais tarde a ser chamada de "aliança não-escrita".
Os tempos hoje são outros, e o desafio é reconhecer os sinais de novo e profundo movimento de transformação da macroestrutura internacional, tirando disso as lições práticas que se impõem. É como parte desse esforço que, em colaboração com o Consulado de Luxemburgo, país que detém, no momento, a Presidência da UE, a Fundação Armando Alvares Penteado realizará, na manhã de 2 de março, o primeiro fórum para analisar, com propostas práticas, as implicações para os interesses brasileiros, da emergência desse astro de primeira grandeza econômica e política.
Tomados em conjunto, os 25 atuais europeus e mesmo os 15 anteriores já são o principal parceiro comercial do Brasil, sua primeira fonte de investimentos diretos e a praça financeira da maioria dos empréstimos nacionais. Há obstáculos, porém, para aprofundar esse relacionamento, como se vê da dificuldade em concluir o acordo comercial com o Mercosul. Em futuro artigo, examinarei, de modo concreto, alguns desses desafios.

  • Publicadoem: Sun, Feb 13 2005 8:21 AM

Folha de S.Paulo - LUÍS NASSIF As raízes do Banco Central - 13/02/2005

By ArchIvo



Quem vê , hoje em dia, o poder imperial do Banco Central não se dá conta de que a instituição é novíssima na história do país. Na sua conformação atual, é do governo Castello Branco. As raízes foram plantadas no segundo governo Getúlio Vargas, quando, recém-eleito, o presidente convocou o jovem banqueiro Walther Moreira Salles para assumir a direção da Sumoc (Superintendência de Moeda e Crédito).
Walther tinha sido diretor da Carteira Comercial do Banco do Brasil no governo Dutra. Vargas foi empossado no dia 31 de janeiro de 1951. O "Correio da Manhã" estampava a notícia de que "havia aceito" o pedido de demissão do presidente e demais diretores do Banco do Brasil, "apresentado antes de ontem". Ninguém tinha apresentado pedido de demissão coisa nenhuma, mas era sugestão muito explícita para ser ignorada.
Quinze dias depois de ter pedido demissão, Walther estava nomeado à revelia diretor da Sumoc, substituindo Renato Pereira dos Santos.
A Sumoc foi fundada anos antes por José Vieira Machado, que anteriormente havia sido diretor da poderosa Agência Central do BB. Profundo conhecedor do sistema bancário, sua falta de tempo acabou deixando a Sumoc algo estagnada.
À frente do órgão, Vieira Machado exerceu diversas funções no exterior. Comprou as estradas de ferro inglesas, resolveu a questão do Port of Para, numa transação até hoje não bem explicada. Pagou-se uma nota graúda pela expropriação. Os ingleses teriam entregado a concessão de graça, se solicitados. Não havia corrupção, apenas incompetência.
Embora devesse operar como um Banco Central, na prática a Sumoc não exercia grande influência sobre o controle da moeda. Para a emissão, bastava a autorização do ministro da Fazenda e a assinatura do diretor da Sumoc. Nem se pensava em emitir títulos da dívida pública, tal a falta de crédito do governo.
Walther tomou posse em fevereiro de 1951. Algum tempo depois, o processo de montagem institucional de controles monetários levou a uma reunião importante, visando definir os novos rumos da Sumoc e, principalmente, permitindo ao então ministro da Fazenda, Horácio Lafer, manter sob controle as contas do BB -presidido por Ricardo Jafet. Ambos viviam às turras, com Walther atuando como algodão entre cristais.
Competiria à Sumoc:
1) traçar as linhas mestras da orientação de cada uma das carteiras do banco;
2) aprovar ou recusar as operações que elevassem a mais de CR$ 50 milhões a responsabilidade individual de um só cliente para com o banco;
3) estabelecer, revendo-os mensalmente, o limite e as condições de operações da carteira de redescontos com os bancos privados;
4) decidir sobre qualquer ampliação de responsabilidades na Caixa de Mobilização Bancária;
5) orientar a política cambial, que era efetuada pelo BB por conta e risco do Tesouro Nacional, e a política geral de licenciamento da importações e exportações;
6) apreciar as normas gerais que a Comissão Consultiva do Intercâmbio Comercial definir para a Carteira de Exportação e Importação do BB;
7) decidir sobre as operações do banco com o Tesouro Nacional e os governos estaduais e municipais, bem como autarquias e sociedades de economia mista;
8) decidir sobre as responsabilidades que o banco tivesse que assumir no exterior, sob a forma de empréstimo direto, aval ou outras e que importam em compromisso futuro das disponibilidades cambiais do governo.
O grande desafio de Walther, porém, foi o saneamento do sistema bancário privado, por meio da criação da fiscalização bancária, marco na história financeira do país. Foram instituídas inspetorias regionais em regiões dotadas de sistema bancário desenvolvido, como São Paulo e Rio Grande do Sul. Uma regional grande foi destinada ao Norte-Nordeste. Inspetores, recrutados nos quadros do BB, foram espalhados por todo o Brasil. Rapidamente a Sumoc passou a se revestir de funções que, mais e mais, a caracterizariam como uma espécie de Banco Central da época.

Arquivo do blog