Quem manda no morro? As notícias de todos os dias não deixam dúvida sobre o poder dos traficantes, exercido a ferro e fogo. Em outras gerações do tráfico, o domínio tinha uma frágil capa de autoritarismo esclarecido, como diria um sociólogo do asfalto.
Os chefes do tráfico, influenciados por doutrinação de presos políticos, exerceriam uma espécie de autoritarismo benevolente. Puniam estupradores, castigavam assaltantes de velhinhas. E conviviam, de forma nunca esclarecida, com os chefões do jogo do bicho. Dividiam o espaço deixado pela ausência da força organizadora e assistencial do Estado. Choques entre traficantes rivais aconteciam — mas não havia e não há registro de conflito entre bicheiros e traficantes.
Hoje, não existem laços conhecidos entre as escolas de samba dominadas por bicheiros e o tráfico. Há duas mudanças visíveis. De um lado, a nova geração dos banqueiros do bicho — hoje também exploradores de jogos eletrônicos como o videopôquer — aparentemente optou por um perfil discreto. Os bicheiros não abandonaram o carnaval como instrumento de relações públicas, mas reconhecem que faz mal à saúde disputar poder com os traficantes, que não investem em imagem: acham mais rentável gastar em armamento sofisticado.
É um quadro bastante diferente daquele de anos atrás, quando os banqueiros, além de se exibirem nos desfiles, freqüentavam restaurantes de luxo e eram tratados por homens de bem como se também o fossem.
Os capitães do tráfico não sentem qualquer necessidade de passar por homens de bem, muito menos por generosos patronos da arte popular. E seu controle sobre as comunidades pobres não tem o disfarce da benemerência. Exercem o poder pela violência absoluta: quem não obedece é simplesmente assassinado, com crueldade extrema. Não há cooptação, mas tirania.
Os novos traficantes sabem que não podem usar a fantasia de contraventores quase inofensivos. Não vão a festas dos ricos e exercem nas favelas um poder brutal conquistado sem qualquer sutileza. Nunca ouviram falar em relações públicas.
Não há notícia de estado de beligerância entre os dois grupos, nem provas de algum pacto de não-agressão. A divisão de poderes não tem explicação conhecida.
Bandidos, todos são. Mas de perfis diferentes. O jogo do bicho sempre alimenta a imagem do delito sem vítimas. Nunca foi, claro, uma verdade: só extraordinária ingenuidade podia aceitar que a safra de dinheiro todos os dias colhida pelos apontadores — uma fortuna anônima e sem registro — não era investida, em grande parte, no financiamento de toda sorte de crimes violentos.
Já o perfil dos gerentes do tráfico (não confundi-los com os ocultos donos do tráfico) não é o de um capo mafioso à maneira de um Vito Corleone. São rapazes mal saídos da adolescência, perfeitamente conscientes de que sua vida será curta. Não usam a força e a crueldade como instrumentos de construção de um império criminoso, mas como espécie de vingança prévia contra o destino que os espera na primeira curva do caminho.
Cometem erros fatais para um criminoso inteligente: drogam-se o tempo todo, matam a qualquer pretexto e dominam as comunidades exclusivamente pelo terror. E morrem cedo, como imaginavam. Os velhos bicheiros procuravam alguma forma de aceitação social. Os novos traficantes dão a impressão de que apenas procuram usar o tempo emprestado que lhes resta vingando-se do destino inevitável.
Nada disso é grande novidade, mas ninguém ainda procurou investigar o efeito a longo prazo desse fenômeno sobre as escolas de samba. Há pelo menos a aparência de um pacto de não-agressão. O samba é dos bicheiros, o funk pertence aos traficantes. Nas festas dos banqueiros, a Zona Sul vai em peso. Nos bailes do tráfico, onde a violência corre solta, ela sabiamente não se arrisca a aparecer.
Sejam quais forem o perfil e o estilo, o favelado é a grande vítima.
E não há remédio à vista. O único progresso imaginável foi o sugerido por Aguinaldo Silva: uma escola de samba controlada por um ex-banqueiro regenerado (na medida do possível). Mas desde quando a ficção inspira a realidade?
Entrevista:O Estado inteligente
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