A concessão do Prêmio Nobel de economia de 2013 suscitou perplexidade. Um dos ganhadores foi Eugene Fama, o autor da hipótese de mercados eficientes. Para ele, os preços das ações refletem as expectativas de lucros futuros, e nunca se desviam dos "fundamentos". Outro ganhador foi Robert Schiller, que se curva às evidências de que muitas vezes os preços dos ativos, como ações e casas, têm trajetórias que parecem absurdas. Para ele, a psicologia tem muito a dizer sobre as bolhas - a divergência dos preços com relação aos "fundamentos". Ambos têm razão em momentos específicos da história dos países.
Nos últimos meses, os índices de ações nos EUA, como o Dow Jones e o Nasdaq, vêm crescendo aceleradamente, com sucessivos recordes de alta. Quem seguir as ideias de Fama dirá que os investidores estão antecipando um grande crescimento nos lucros, o que é indicativo de uma recuperação forte da atividade econômica. Mas quem seguir as ideias de Schiller alertará que o atual comportamento pode ser a indicação de uma bolha em formação. Essa previsão é reforçada pelo tamanho do ativo do balanço do Federal Reserve, em torno de US$ 4 trilhões, e que continua crescendo com compras de US$ 85 bilhões por mês, o que diante de um crescimento econômico mais vigoroso tem uma probabilidade ainda mais elevada de gerar bolhas nos preços dos ativos.
Através de vários canais de transmissão as compras de ativos por parte do FED ajudam na recuperação da economia, mas carregam consigo o risco da formação de bolhas. Hoje seria difícil ter certeza sobre se a razão está com Fama ou com Schiller. Mas, qualquer que fosse o veredicto, a indicação é de que o Federal Reserve deveria considerar seriamente o início da redução na intensidade das compras de ativos. Se Fama tiver razão, essa decisão seria necessária porque o crescimento econômico já adquiriu tração, prescindindo de maiores estímulos monetários. Já se a razão estiver com Schiller, o FED teria que ter a cautela de evitar uma nova bolha de ativos, causadora de fragilidade financeira.
A preocupação com os eventos nos EUA não vem de mera curiosidade. No mundo globalizado o câmbio e os juros em um país são influenciados pelo que ocorre nos demais. Um crescimento mais vigoroso dos EUA atrai capitais que valorizam o dólar, mas quem sofre mais, perdendo mais intensamente os ingressos de capitais, são os países que vêm seguindo políticas fiscais expansionistas e monetárias acomodativas, como Índia, Indonésia, África do Sul, Turquia e Brasil. Não é por coincidência que estes cinco países figuram entre os que em 2013 tiveram as maiores depreciações cambiais. No caso brasileiro, em particular, antes que o tapering fosse postergado na reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, em inglês) de setembro, o real havia chegado a R$2,43/US$, valorizando-se com o anúncio, mas voltando a se depreciar recentemente com o aumento da probabilidade de que o início do tapering está mais próximo, mesmo diante das maciças intervenções do BC no mercado futuro de câmbio.
Mas a depreciação do real está distante de ser explicada apenas por ocorrências nos Estados Unidos. Em primeiro lugar, as políticas macroeconômicas expansionistas adotadas pelo governo brasileiro têm provocado o aumento da absorção relativamente ao PIB, aumentando o desequilíbrio externo no momento em que os capitais estão refluindo do País. Entre 2010 e 2012, o Brasil tinha déficits nas contas correntes apenas um pouco acima de US$ 50 bilhões por ano, mas recebia ingressos de capitais entre US$80 bilhões e US$ 130 bilhões por ano, gerando enormes superávits no balanço de pagamentos, que conduziam à acumulação de reservas. Ainda assim o real se valorizava. Atualmente os déficits nas contas correntes superaram US$ 80 bilhões por ano, e os ingressos de capitais, somando investimentos diretos, ações e renda fixa, situam-se um pouco abaixo, e tendem a declinar diante da atração de capitais pelos Estados Unidos. A consequência é que o déficit brasileiro nas contas correntes terá que declinar para um nível compatível com a nova realidade sobre os ingressos de capitais, o que provoca o enfraquecimento do real.
Mas, além disso, a depreciação vem se acentuando devido à desastrada conduta do governo na política fiscal. A queda de qualidade da política fiscal vem acarretando a contração da demanda por ativos brasileiros por parte de estrangeiros. Quem quer que tenha observado simultaneamente as trajetórias das cotações do CDS (uma das medidas de risco do país) e da taxa cambial, notará a forte correlação positiva entre elas. Isto não é uma obra do acaso, mas a consequência de que o aumento na percepção de risco contrai a demanda de ativos brasileiros por parte de estrangeiros, elevando as cotações do CDS e depreciando o real.
Nos últimos meses as cotações do CDS brasileiro têm se elevado significativamente, como se vê no gráfico anexo. Mas estes não são movimentos originados pelas reações do FED, e sim dentro das nossas fronteiras. A prova é que a elevação somente ocorre no CDS brasileiro, sem alterações nos CDS de Peru, México e Colômbia, para tomarmos apenas três exemplos. A última elevação, ocorrida a partir de setembro, está claramente associada aos péssimos resultados dos últimos superávits primários.
O governo abusou das transferências por fora do orçamento a bancos oficiais, maculando o conceito de dívida líquida como aferidor da solvência pública, que somente pode ser avaliada pela dívida bruta. Abusou, por outro lado, de truques contábeis que tornaram o superávit primário uma peça de ficção. Sem confiança nem no conceito de dívida líquida, e nem nas informações provenientes do superávit primário, é claro que a percepção de risco teria que se elevar.
Felizmente, o governo parece ter entendido que as ações do aprendiz de Luca Pacioli que reside em Brasília vêm causando um enorme dano, e resolveu tolher a sua criatividade. A presidente pode não ligar para o impacto eleitoral de um rebaixamento que tire do Brasil o grau de investimento, mas sabe que se isso ocorrer a economia sofrerá danos enormes. O governo voltou atrás na tentativa de usar a Caixa Econômica para travestir o buraco criado nas companhias de eletricidade pela sua decisão de baixar os preços, e refreou-se de aprovar a mudança do indexador das dívidas de Estados e Municípios, que seria na revogação de fato da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Mas nenhuma dessas atitudes é suficiente para mudar o quadro extremamente pessimista quanto a qualidade da política fiscal. Se de um lado aparentemente o governo desistiu de criar um novo Luca Pacioli, de outro continua preocupado em seguir os ensinamentos de seu contemporâneo, Niccoló Machiavelli, que recomendava que a primeira tarefa do governo é se manter governo. Se combinarmos um ano de eleições com a crença quase religiosa do governo de que o crescimento econômico se obtém através de estímulos fiscais, as perspectivas não são boas. O governo continua tendo fé nos efeitos das desonerações, que em um ano de eleições dificilmente seriam revistas para elevar as receitas, e não quer abandonar as transferências, com as quais obtém votos. Lembremos que o péssimo desempenho dos superávits primários, neste ano, não se deve apenas às desonerações, mas também ao crescimento exagerado dos gastos discricionários em proporção ao PIB.
O mais provável é que as ondas vindas dos EUA se somem às geradas em Brasília, aumentando a turbulência na economia brasileira. Há nuvens cobrindo o horizonte, e o caminho à frente não promete ser agradável.